segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Vitimização ou coragem? Capacidade de cair e se levantar.



Infelizmente por medo do próprio sofrimento (pois ninguém quer sofrer) muitas pessoas criam uma blindagem de "bem estar" e dizem para sí mesmo: "sorria", "dê a volta por cima", "bola pra frente", "vou superar porque sou forte", "não vou sofrer", "vou levar alegrias", etc. Sim, o altruísmo, o pensamento positivo, o "estar zen" (zen não tem nada disto, bom a budista aqui frisar) são um bordões de "felicidade" para muitas pessoas se manterem diante dos perrengues da vida, e isto de todo não é ruim. Porém há pessoas que criam uma blindagem de "bem estar" as vezes o fazem ignorando que muitas pessoas sofrem neste mundo e que imprevistos podem acontecer na vida. Mas a vida é feita de momentos difíceis também, momentos que a gente não escolhe passar, como a perda de algo ou alguém (Não preciso dizer que a perda de um filho é o que mais dói...). 
 
Qualquer um pode se estabacar, cair feio, podemos entrar em situações que realmente sejam difíceis demais para suportar e quem nem os clichês "altruístas" e "positivos" dão conta de nos manter. Cair e chegar ao fundo do poço as vezes é necessário para que possamos rever conceitos, rever valores, questionar, até mesmo nos revoltar. Há um ditado japonês que diz: "Cair sete vezes, levantar oito vezes" (Nanakorobi Yaoki – 七転び八起き). Este ditado não ignora as quedas, mas dá valor a todas as vezes que nos reerguemos de tombos. Os japoneses tão acostumados a clataclismos sabem bem o que é se reerguer a cada turbulência, eles veem os tombos como aprendizado de vida.

Cair sete vezes, levantar oito.
Jizos e o boneco Daruma que por se cair e levantar
como "João Bobo" é associado ao provérbio japonês.

Outro ditado que uma professora minha gosta muito: "No pain, no gain". (sem dor, sem ganho) Como profissional de Ed. Física ela faz um paralelo entre a dor da fadiga muscular com os sofrimentos, as fibras musculares após um episódio de estresse precisam de um momento de recuperação na qual o corpo reage com dores musculares, porém ao passar por este processo o músculo se torna mais forte. Permita-me um adendo cara professora, tem dores que estão mais para uma dor de ciático ou uma distensão, o músculo até recupera, mas dá aquela fisgadinha pra lembrar que existe, as vezes o músculo também não aguenta e precisa de cuidados. De fato a dor muscular nem se compara a uma dor dão avassaladora que é a perda de um filho. Podemos até passar por esta dor e sobreviver, mas ela sempre deixará sua marca e temos que aprender a conviver com isto.

Assim como na vida precisamos cair e aprender com nossos tombos. A pessoa que busca ser "positiva" e ignora todo o sofrimento (ou tenta viver ignorando) de fato é muito mais covarde do que aquela mãe que perde um filho e é tachada de "estar se vitimizando". A pessoa que fala isto ignora o que é cair e se machucar, nunca teve que passar por isto, logo não pode dar lição de moral na dor dos outros que caem. Corajosa é esta mãe que passa pelo pior calvário, suporta o insuportável, e depois tem que se reconstruir mesmo sabendo que nunca será como antes. Uma louça quebrada e colada, nunca mais será uma louça inteira, sempre algum caco estará fora do lugar. Se permitir sentir a pior dor, dizer para si mesmo que é insuportável, se dar conta que é demais, derramar lágrimas, ir ao fundo do poço e se reerguer, e no final um dia poder sorrir... É preciso muita coragem para isto.


Kintsugi: a arte de reparar louças quebradas com ouro
A arte japonesa de reparar louça quebrada 
com ouro valoriza sua história tornando-as
 um objeto único a partir de suas imperfeições.


Portanto mães, menos culpa quando se der conta que a dor e o sofrimento parecerem maior do que você. O fato de suportar o insuportável te torna uma mulher de fibra.

Que a luz de Kannon e Jizo bodisatvas estejam com vocês iluminando corações e guardando os mizukos.
Gassho!!!

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Little Spirit Garden, um memorial inspirado no Mizuko-kuyo


Que linda iniciativa no Canadá!

Hoje de manhã me deparo com esta reportagem (link, link, link). Achei lindo e inspirador. Espero que esta ideia inspire mais pessoas no mundo e que a compaixão com todos os seres seja realmente posta em prática, inclusive com aqueles que não tiveram tempo ou tamanho suficiente para serem considerados dignos de lembrança. Pois como já falei em outros posts, algumas pessoas (a maioria infelizmente) ainda mensura o sofrimento alheio a ponto de julgar o quanto e pelo que é permitido sofrer. Os filhos são amados desde o primeiro instante, desde o positivo já fazem parte da família.





Segue-se abaixo trechos da reportagem:

O jardim, chamado de Little Spirits Garden (“Jardim dos Pequenos Espíritos”, em tradução livre), foi projetado pelos arquitetos paisagistas canadenses Bill Pechet e Joseph Daly. O projeto é inspirado em uma tradição budista conhecida como Jizo – o costume de criar uma pequena estátua em homenagem a uma criança morta. No Japão, onde Pechet viveu durante dois anos, as estátuas ficam em templos, que contam com cemitérios em anexo dedicados a elas. Durante as festividades, os japoneses costumam enfeitá-las com acessórios.
Achei tão inspirador, tão terno e bonito ver essas criações. Fiquei impressionado com o senso de grandeza quando eram exibidas juntas em ocasiões especiais, mostrando uma perda coletiva na sociedade”, explicou ele à BBC. Inspirado pela tradição, o arquiteto decidiu criar uma versão que abraçasse a pluralidade do Canadá. Para Pechet, o espaço precisaria ser um espaço ecumênico e as estátuas teriam que dar lugar a um símbolo universal capaz de abraçar todas as crenças. A sua escolha foi uma casa. “A casa é um símbolo universal de proteção e não é sectário”.
O jardim foi inaugurado em 2012 e está localizado em um terreno no Royal Oak Burial Park, um cemitério de Victoria, em British Columbia. As casas, chamadas de “casas dos espíritos”, são feitas de concreto pré-moldado, com pequenos talhos, para que possam crescer musgos sobre ele.

Sempre digo que rituais como a do Mizuko-kuyo podem ser adaptados para outras culturas e crenças. No Canadá fizeram isto muito bem. Todos nós somos amontoados de células que tiveram sucesso. Não consigo conceber a ideia de que um filho precisaria "nascer" para poder ser digno de respeito. Todos os seres merecem respeito.

Gassho.



segunda-feira, 25 de março de 2019

Vídeo sobre ressignificação da perda gestacional


Animação francesa muito bonita que assisti no encontro presencial da ONG Amada Helena.


Depois dou mais detalhes do encontro e falo mais do vídeo, por enquanto fique com os dados.

Após a perda do seu bebé antes do termo, o seu encontro com um pássaro desenhado para abrir a um jovem artista desconsolado o caminho do apaziguamento.   

Diretores : Chen Yang Hsu, Adeline Jacquot, Paul Jourdain, Alan Sorio, Eléa Trahay 
Musica : Raphaël Joffres 
Son : José Vicente & Yoann Poncet – Studio des aviateurs

Estúdio do Aviador Filme animado produzido como parte do treinamento em animação 3D Escola ESMA (promoção 2016). © ESMA - Escola de Artes e Ofícios

Depois conto uma história de Buda que tem uma mensagem parecida com esta, mas fica para o próximo post.



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Mais considerações sobre o serviço de Mizuko-kuyo


Acompanhando a hashtag #水子供養 no Instagram podemos ver vários depoimentos de mães que encomendam o serviço de Mizuko-kuyo. Também lendo algumas páginas de templos Japoneses (link, link) que oferecem o serviço dá para saber um pouco como a cerimônia se procede.

Print de paginas de templos budistas que oferecem o Mizuko-kuyo 


O que se percebe primeiramente na #水子供養 (#mizukokuyo) é que a dor da perda de um filho, mesmo sendo no primeiro trimestre é muito sentida pelas mães japonesas, portanto concluo que independente de cultura, perder um filho é algo que abala os pais de qualquer forma.

Outro aspecto interessante a se considerar, os japoneses tem uma relação com o “mundo espiritual” (termo mais conhecido dos brasileiro) bem peculiar. Devido a influência da cultura dos Kamis derivada do Xintoismo, os japonese acreditam que tudo tem uma “alma”, até mesmo montanhas, árvores, pedras e rios. A introdução do Budismo (de origem hindu) no Japão não entrou em conflito com a antiga crença nativa japonesa, mas sim agregou valores e estas duas convivem harmonicamente. No Japão o budismo é geralmente o que se encarrega das cerimônias fúnebres. Como Já falei em outro post (link), no budismo se considera que as vidas são cíclicas, estamos renascendo constantemente nos “seis reinos da existência”, portanto um pequeno embrião era uma vida e nunca deixa de ser. 

 
É por isto que há muita naturalidade dos pais japoneses em fazerem uma cerimônia para seus bebês perdidos, pois esta sociedade parte do princípio que aquele ser que esteve no ventre estava antes em algum lugar e que por compaixão deve-se encaminha-lo para um lugar de muita luz. Há mais “espontaneidade” com relação a ressignificação do luto na perda gestacional. Muito diferente do que passamos aqui no ocidente em que muitos não validam a vida de um bebê que não saiu vivo da barriga. Como se existisse uma “lei”: “não nasceu, não existiu, não é vida”. Aliás, acredito que até alguns aqui se sintam constrangidos na hora de fazer homenagens a seus bebês, tanto que muitos até escondem o fato que tiveram uma perda.

Lendo alguns sites de templos japoneses que oferecem a cerimônia do Mizuko-kuyo e o relato das mães na hashtag #水子供養 dá para perceber a preocupação de pais e monges em tratar bem “alma” do “Mizuko” que esta no “além”. Há a preocupação de encaminhar este “anjo” para a luz num pequeno “funeral”, há a preocupação com sua evolução, pois ainda há um ser vivo em outros planos (reinos) precisando de muitos mantras e preces para continuar sua jornada até se tornar um buda (tornas-se um “Jôbutsu” ver link).

Para a realização do ritual do Mizuko-kuyo os pais podem levar flores, doces, brinquedos, roupinhas de bebê, coisa que lembre aquele bebê que se foi, alguns casos leva-se até mesmo as ecografias, também se leva um juzu (japamala, rosário) e uma carta dedicatória. Não sei como é a questão quanto ao acesso dos pais aos restos embrionários, se estes são entregue após um procedimento de curretagem (aqui não temos acesso e acaba se tornando lixo hospitalar), não tenho esta informação, mas perdas gestacionais tardias pode-se fazer a cremação do bebê e as cinzas fazem parte do ritual de Mizuko-kuyo. As recomendações do que levar para o mizuko, como proceder e vestimenta dos pais são recomendadas pelo templo.

 
Recomendações do que levar e como se vestir para o Mizuko-kuyo (link)

Ao solicitar o serviço de Mizuko-kuyo os pais geralmente tem uma conversa com o monge oficiante da cerimônia, nesta os pais podem tirar dúvidas sobre custos e procedimentos, podem pedir conselhos, pois afinal de contas, trata-se de uma experiência de sofrimento para os pais e para o bebê. A base do ensinamento budista é exatamente o aprendizado de como lidar com as questões da morte e do sofrimento. A tarefa de um monge budista, por conta de seus votos, é exercer a compaixão e ensinar o Dharma. Os monges também respeitam quando os pais querem sigilo no processo.

Na cerimônia são rezados mantras budistas típicos de funerais e também mantras para Jizo Bosatsu e, em alguns casos, para Kannon. Além é claro dos pais adquirirem as estatuetas de Jizo infantilizada. Durante a cerimônia se dá um “nome de Dharma” ao bebê que é escolhido pelo monge, este nome é escrito numa tabuinha. Para aqueles pais que não souberam o sexo, esta é uma oportunidade de dar um nome para o filho. As estatuetas de Jizo infantilizadas que representam o bebê podem ser colocadas num memorial de Mizuko-jizo que existem nos templos que realizam o serviço.

Após o ritual os cuidados com o mizuko continuam, pois pode-se fazer homenagens aos bebês nos templos, e continuar a rezar mantras a Jizo em casa no oratório doméstico (botsudan), ou visitar os templos com memorial de Mizuko-Jizo em datas específicas como finados, dia das crianças, e até mesmo natal. Nesta ocasião os pais oferecem pequenas “oferendas” como doces, brinquedos, roupinhas, flores, incenso, velas, etc. No budismo se rezam “missas” no 7º e no 49º dia (ver mais no link). Acredita-se que 49 dias é tempo que a alma leva para cumprir todas as etapas para um novo renascimento, este é um período muito importante para quem “desencarnou” (usando termo do espiritismo).

Será um pai ou um avô de mizuko? Seja quem for continua cuidando do seu anjo. 


Assim como qualquer outro serviço realizado por templos budistas, a cerimônia do Mizuko-kuyo é paga, custo que varia conforme as escolhas de quem solicita o serviço. Há venda de urnas funerárias para as cinzas dos bebês, tabletas para escrever o nome dos mizukos, oratórios, porta incenso, imagens de Jizo, etc (saber mais sobre funeral japonês no link, link). As estatuetas de Mizuko também são compradas, tem vários tipos desde as bem pequenas, até as feitas com cimento, cerâmica ou pedra (já falamos das estátuas de Jizo. Vide link, link).

Urna funerária, tábua para escrever o nome e sino do @onori_ochestra



Os japoneses não veem problema de pagar por este serviço, estes se sentem muito honrados de ter um monge rezando por seus entes querido, a gratificação monetária é uma demonstração de gratidão. E pensando bem, se formos analisar, gastaríamos com festas de aniversário, fraldas, brinquedos, com escola e faculdade... E não estaríamos reclamando, faríamos tudo na maior felicidade!!! Gastar um pouco com uma homenagem para o filho que “esta no céu” é o mínimo comparado ao que faríamos por eles vivos, portanto não vejo isto como algo ruim.

Espero que tenham gostado destas considerações e não se sintam mais constrangidos ao homenagear a existência de seus anjos.

Gassho.

O sentimento de “ser mãe” é universal – Jizo e o Natal - Instagram


Abraço fraterno a todas as mães de anjo.

Não escrevi nada no Natal, pois esta é uma data cheia de emoções.
Este post é mais para relatar algumas curiosidades no uso do Instagram.

Gostaria de agradecer a todos que estão nos seguindo no Instagram pelo perfil @jardimdosmizukos. Estamos sendo seguidos inclusive por japoneses, alguns deles sacerdotes budistas (@tokuzouji.sanoshi, @teawase) alguns destes monges tem templos dedicados a Jizo e prestam o serviço de Mizuko-kuyo. Também outros nos seguem indiretamente como o @kongoji_iwata e o @buddhastory2018 (este último do mestre Hai-tao do budismo Cha'n). Rev. Hondaku do Brasil (budismo Terra pura japonês) também esta nos seguindo no Instagram. Estamos muito honrados que monges budistas estejam nos seguindo. Não imaginávamos que eles nos procurariam, acredito que Jizo tenha gerado este Dharma.

Buddhahastory2018 do Rev. Hai Tao, Tewase (templo Jokenji) da cidade de Iwate trabalha no apoio às crianças e idosos atingidos pelo tsunami de 2011, templo Tokuzou-ji que recentemente inaugurou seu memorial de Mizuko-jizo e monta quebra-cabeças de mil peças (sumiu do instagram).

Também tem muitos aficionados por Jizo Bosatsu, um deles é o @ecojizo.h que faz imagens de Jizo com materiais reciclados. Alguns escultores que fazem esculturas lindas como @jizo.healing, @nakasyoji, @tsuchiyaseiichi, @okuda_gyosei_com, @keisenkatsurano. E a @dana_present que é dos Países Baixos (Holanda), ela faz bonecos de Jizo muito fofos. Tem o @jizoandchibi, que confecciona joias artesanais de Jizo e Chibi, da California USA (link). Também ao grupos de apoio a perda gestacional, Voe Alto Meu Anjinho, Amada Helena, Instituto Amor Nosso, Sobreviver, Renascer. Grupos estes que já conhecemos pelo trabalho no apoio aos que tiveram perda gestacional e neonatal (estamos redigindo uma lista com estes grupos). É muito bom ter contato com diversas cultura e diversas pessoas que tem admiração por Jizo e Kannon. Tem muitos outros que não consigo listar aqui e farei um post só para o Instagram.

O Instagram é uma ferramenta ótima, permite a tradução do que esta escrito em várias línguas. Consequentemente começamos a colocar hashtag “#” em japonês (#水子地蔵 ; #地蔵 ; #お地蔵様 ; #お地蔵さん ; #お地蔵 ; #水子) e em inglês (#pregnancyloss) para interagir com outras culturas. Foi através das “#” que tomamos o conhecimento de muita coisa interessante ligando o Budismo e o Natal, também pelas “#水子供養(#mizukokuyo) conseguimos ler o relato de mães japonesas que vieram a perder o bebê e fizeram o cerimonial de mizuko-kuyo (falarei disto em outro post - Link).

Na hashtag #水子供養 percebi uma coisa, a mãe japonesa tem as mesmas duvidas, as mesmas reações, as mesmas angustias e dores que as mães no Brasil. Já tinha constatado o mesmo fenômeno na Europa e nos EUA (USA). Por exemplo, ler os relatos da “#水子供養(#mizuko-kuyo) é como ler os relatos das mães dos grupos de apoio a perda gestacional. Com isto percebemos que o sentimento de mães é UNIVERSAL. Este sentimento não inicia com o nascimento da criança, mas antes, no momento em que recebemos o HCG positivo. Independente da etnia, cultura, tradição, povo, saber que vai ser mãe muda a cabeça de qualquer mulher. Me emocionei muito ao constatar este fato. Eu que algum tempo não chorava, voltei a chorar ao ler o depoimento destas mães, longe geograficamente, mas próximas de nós na dor. Meu coração se encheu de compaixão e empatia.

Outro fenômeno notado nas “#” em japonês no final do ano é a forma como os japoneses comemoram o natal. Interessante o quanto uma festa originalmente cristã influencia outras culturas chegando até mesmo a influenciar outras crenças. Você pode pensar que não há relação nenhuma do budismo com o natal, mas não vamos muito longe, no Brasil importamos vários festejos (Exemplo: Hallowenn). O Japão é influenciado pelas crenças, budistas, shintoistas, taoistas e confucionistas, são poucos os cristãos. Com relação ao natal no Japão, esta é mais uma data comercial. É uma data para trocar pequenas lembrancinhas com quem temos mais afeição, alguns namorados aproveitam a data para fazer um jantar romântico.

Um fenômeno que achei interessante, ver que alguns templos budistas japoneses fazem pequenas referências a data originalmente “cristã”. Alguns enfeitam até com árvores de natal, outros tem figuras natalinas, encontramos até mesmo Jizo Bosatva vestido de papai-noel (link, link). Consequentemente encontramos em templos budistas que realizam o serviço de Mizuko-kuyo várias fotos de presentinho de natal enviadas pelos pais aos mizukos. Parece uma cena surreal, os mizukos ganhando presente de natal, mas é um fato, os templos japoneses ficam cheios de presentinhos.

Árvores de Natal, Jizo vestido de Papai Noel, presentes de Natal em templo para os Mizukos. Imagens extraídas do Instagram


Não vejo nisto um desrespeito com a prática cristã, ou como uma perda de significado, vejo como uma contribuição cultural interessante. Pelo que conheço de budismo, esta religião tem uma capacidade grande de se adaptar a culturas, isto aconteceu ao longo dos anos a medida que diferentes culturas absorveram o budismo. Uma cultura agrega a outra. Um exemplo, “Lo Dia de los muertos” no México, uma cultura herdada dos nativos da região adaptada ao catolicismo. A lavagem das escadarias da igreja do Bomfim na Bahia, outro exemplo.

Na cultura japonesa os “mizukos” são as crianças que estão em outros planos de existência, os pais não deixaram de cuidar do seu bem estar no mundo “espiritual” (no budismo se usa outro termo, seis reinos). Acredita-se que as crianças perdidas tem uma vida em outro plano e interagem com nosso mundo, portanto elas recebem presentes como receberiam caso estivessem vivos. Os mizukos recebem pequenos agradinhos no dia das crianças, no Natal, nos finados e em outras datas. Os monges não questionam, mesmo que a origem remeta a uma prática cristã, pois a compaixão com todos os seres, principalmente com os mizukos, é o foco principal. Tal procedimento conforta a alma dos pais.



Sempre digo que pratica do Mizuko-kuyo podem servir de inspiração para outras crenças. Você não precisa acreditar em buda, pode continuar acreditando na sua forma de ver Deus, seja ela na crença católica, protestante, espírita, wicca ou outra religião, mas pode adaptar a ideia do Mizuko-kuyo e alguns conceitos a sua crença. O que importa é que sua alma e a alma do seu anjinho fique confortável.

Estas foram as minhas impressões nestas festas de final de ano.

Gassho

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Quando ressiginificar é a opção



Alguns ao ler este blog podem achar que ele é um pouco mórbido, sim, ele se torna assim quando as pessoas que o leem ainda estão presos a conceitos e pré-conceitos originários da cultura ocidental (ler mais no link). Mas se formos ver pelo ponto de vista influenciado pelo budismo e crenças orientais o blog ganha vida e dá vida aos que estão em outros planos de existência. Esta é um página que aborda as questões do luto perinatal, logo as vezes não tem como ser leves abordando este tema. Procuramos ser o mais leves e humanos possíveis para abordar algo tão delicado.

Uma mãe que perdeu filhos em gestações, inconformada disse que não devíamos nos “conformar”, devíamos procurar as respostas, investir em todos os tratamentos possíveis, etc. Ninguém falou em se “conformar”, falamos em dar novo significado a perda. Acredito que ninguém se conforma, um filho perdido é sempre um filho perdido, não importa a idade em que se perde, aquele filho que se perdeu não volta. Mesmo que se tenha um filho “arco-íris”, este filho é um novo filho, não substitui o que se foi e nem faz esquecer toda a dor da perda.

Não queremos dizer que uma mãe que perdeu um filho por trombofilia, IIC, diabetes, eclampsia, infertilidade ou outro problema, não possa ser otimista e “correr atrás” da felicidade de ter um filhos nos braços. É válido que se busque todos os recursos possíveis para realizar sonhos. Procurar tratamentos e respostas para tentar novamente, e quem sabe, conseguir engravidar e gerar o “bebê arco-íris” é válido se a pessoa tem como fazer. Porém este é um blog para aquilo que a medicina, ou qualquer outra ciência viável no plano físico, não consegue alcançar. Aqui entramos no campo que só a filosofia consegue ir.

Por mais que a medicina tenha evoluído, uma coisa ela ainda não consegue fazer, dar a certeza de que todos os procedimentos terão sucesso. Não sabemos o dia de amanhã, não temos bolinha de cristal, nem um oráculo divino que nos chegue e diga que vai dar tudo certo, as vezes dá, as vezes não dá. Se der certo, que bom, receba as “bençãos” do arco-íris, mas se não der, voltamos a mesma situação. Outra coisa que a medicina não cuida, dos que já se foram.

Este blog é feito para os Mizukos (anjos). Para os bebês arco-íris temos os sites como BabyCenter, ou qualquer outro que as gestantes podem se cadastrar e acompanhar todas as fazes da gestação e o desenvolvimento do bebê. Em contrapartida este blog é para aqueles bebês que estão em outros “planos” (no budismo “reinos”). São para os filhos que os pais sabem que não poderão mais ter o contato físico. Para estes resta somente o “contato espiritual”, é este “contato” que este blog trabalha.

Há casos que só a ressignificação é a opção, e nestes casos o “arco-íris” após a tempestade talvez não chegue como um “bebê arco-íris”. Esta ressignificação pode acontecer das formas mais variadas possíveis. Exemplo: com a adoção de uma criança, com a criação de um livro (link), com a criação de um documentário (link), desenvolvimento de um projeto de conscientização (link) ou apoio a perda gestacional (link, link), com uma viagem, ou com um blog como este aqui.

Uma pessoa me criticou por "fazer um ritual" e "cultuar um boneco". Isto me fez refletir... Se o meu filho estivesse aqui certamente não estaria cuidado de um mizuko. Isto é óbvio, é até ridículo alguém me falar isto, se meu filho estivesse vivo, certamente estaria cuidando dele. Como ele/ela não esta aqui, ressignificar é a única opção. Se eu, como outros pais que perderam, tivéssemos opção certamente não plantaríamos árvores, não soltaríamos balões, não faríamos tatuagens e nem cerimônia de Mizuko-kuyo.

Este blog tem como base a filosofia budista, acreditamos que os filhos perdidos (mizukos) tem uma vida em outros reinos (planos espirituais) e neste lugares eles também precisam ser cuidados com preces, mantras, homenagens e pensamentos positivos. Este cuidado deve-se ter para que possam se iluminar e evoluir, quem sabe até renascer (reencarnar) e ter uma outra oportunidade de trilhar o caminho do Dharma. Acredita-se que alguns bodisatvas podem ajudar os mizukos neste processo, são eles Jizo e Kannon. O Mizuko-kuyo é a forma que os japoneses budistas usam para ajudar os pais enlutado a ressiginificar a dor da perda e também é uma forma de ajudar os mizukos. Enquanto os pais estão “neste plano” ressignificando e encontrando um balsamo para a dor, os mizukos (anjinhos) também estão sendo cuidados.

Há muita compaixão neste processo, há compaixão com os pais enlutados, há compaixão com os mizukos também. 

Gassho



segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A importância de ressignificar o luto e de rituais como Mizuko-kuyo


É com um profundo sentimento de gratidão e sentimento de dever cumprido que escrevemos este post.

Esta semana tivemos um surpresa no site do “Grupo Sobreviver –Apoio da Perda Gestacional e do Recém Nascido” na parte de relato das mães de anjo. No depoimento Somos oito – Um relato sobre como ressignificar o luto das perdasprecoces” uma mãe conta como ressignificou suas perdas gestacionais com uma prática inspirada no Mizuko-kuyo. Esta mãe foi inspirada por uma matéria que fizemos ainda no blog do Grupo Sobreviver que tinha o título: “Perda Gestacional na Cultura japonesa e o Mizuko-kuyo”(atualmente neste link). Ficamos felizes que tenhamos ajudado e inspirado outros pais a ressignificar seu luto e a homenagear a passagem de seus filhos nesta existência. 

 

O budismo no Brasil é uma religião que, apesar de muita gente saber do que se trata, ainda é pouco conhecida na sua essência pelos brasileiros. Ainda temos as diversas linhas distintas do budismo como theravada, tibetana e mahayama. Apesar de termos a maior colônia japonesa do mundo e dos brasileiros conceberem a ideia de que os japoneses estão presentes na construção deste país, muito da cultura japonesa não consegue romper as diferenças culturais e acabam não aparecendo. O fluxo de imigração japonesa para o Brasil diminuiu a partir da década de 70, justamente quando a prática do Mizuko-kuyo no Japão se tornou mais usual. Por isto que a cerimônia é pouquíssimo conhecido aqui no Brasil, até mesmo pelos budistas brasileiros. 

Mas a questão é: se não temos a procura por este tipo de serviço, haverá o interesse de quem poça o oferecer? Nisto esbarramos em outra dificuldade, a da nossa sociedade de lidar e assimilar os processos de perda e morte e, consequentemente, de perdas gestacionais e neonatais. Se não conseguimos nem dar a permissão para que pais e mães chorem por seus filhos, quem dirá de fazer um ritual e prestar homenagens aos mesmo. Geralmente se espera que os pais que passaram pela perda gestacional se recuperem do acorrido, pois via de regra, para a sociedade, estes não tem muito o que lamentar, pois o filho perdido "oficialmente" “sequer nasceu”. Para as pessoas que viveram se faz missas, cultos… (vide link) Mas para os que não nasceram vivos, o que se faz?

Muitos profissionais da área de psicologia que lidam com a questão do luto ressaltam a importância dos processos de ressignificação da perda, e nestes é muito importante “rituais” de despedidas para o fechamento de um ciclo (vide o link). Muitos pais que perdem filhos numa gestação procuram ferramentas para ressignificar seu luto entre elas, caixa de lembranças, o plantio de uma árvore, a soltura de balões, fazem uma tatuagem, criam um cantinho na casa para acender velas, etc. Nesta semana de Sensibilização da Perda Gestacional um grupo de Manaus (Instituto Amor Nosso) realizou uma caminhada e soltou balões. Outros grupos incentivaram os pais a acender uma vela as 19h do dia 15 de outubro para lembrar os filhos que partiram.


O ritual do Mizuko-kuyo, se fosse praticado aqui no Brasil, seria mais uma ferramenta para a ressignificação do luto parental.
Posso dizer que prática de um ritual inspirado no Mizuko-kuyo me ajudou muito na ressignificação do luto, e com toda a atmosfera dos conceitos budistas de renascimento, interdependência, me fez ter um entendimento muito abrangente do processo de perda. É uma pena que por questões de tabu, preconceito e desconhecimento a prática não seja feita aqui.

Seria muito positivo se as religiões também criassem meios de acolher estes pais enlutados, pois a religião trabalha com isto, com a nossa ligação com o divino, com o espiritual e com aquilo que só podemos alcançar por meio da fé e crença.

Que a luz esteja com todos os mizukos e com seus pais.


Gassho. _/|\_




O templo existente na cidade de Suzano (NambeiShingonshu Daigozan Jomyoji) realiza cerimônias para Jizo Bosatsu todos os anos (vide link do facebook). A monja Isshin também já realizou cerimônias para Jizo na sua comunidade (vide link). 

Tour pelo templo Manbei de Suzano-SP





Vitimização ou coragem? Capacidade de cair e se levantar.

Infelizmente por medo do próprio sofrimento (pois ninguém quer sofrer) muitas pessoas criam uma blindagem de "bem estar" e ...