quarta-feira, 6 de junho de 2018

Compaixão com quem mensura a sofrimento na perda gestacional


Bom dia mães de Mizukos!

Andei lendo alguns relatos de mães e resolvi escrever sobre a tendência das pessoas mensurarem nossa dor. Isto acontece de diversas formas como por exemplo:

“- Mas o que aconteceu com a fulana foi bem pior, imagina você no lugar dela.”
“- Mas a fulana teve um aborto e no outro dia estava trabalhando.”
“- Ainda bem que perdeu no comecinho, depois seria bem pior.”
“- Ah, mas era muito pequeno ainda.”
“- Ah, nem chegou a ser um embrião!”
“- Ah, era só um embrião!”
“- Era apenas um feto.”

Infelizmente nossa sociedade tem a mania de mensurar tudo, como se a vida pudesse ser moldada, empacotada, etiquetada e colocada em caixinhas. Como se o sentimento pudesse ser mensurado, medido, etiquetado..... Mas com os sentimentos as coisas não funcionam assim, os sentimentos apenas são e nós apenas sentimos. A maioria das vezes nosso sentimento é solitário, algumas vezes temos o privilégio de dividi-lo com alguém. É mais fácil dividir a alegria, pois ela é contagiante e cativa, mas a tristeza é mais difícil, pois ninguém quer senti-la.

Sim, tristeza, sofrimento e dor, podemos passar a vida inteira tentando evitar, mas um dia estes sentimentos podem chegar até nós. Todos nós temos medo, medo de sofrer, medo de morrer, medo de chorar, medo de perder… Tudo isto faz parte da vida, um dia fatalmente a vida nos fará encarar situações em que vamos sentir o que não queremos sentir.

Numa música do Legião Urbana (Quando o Sol Bater Na Janela do Seu Quarto) tem a seguinte frase: “Tudo é dor, e toda a dor, vem do desejo de não sentirmos dor.” *

A dor se torna pior porque não queremos senti-la.

Claro, ninguém quer sofrer voluntariamente, todos nós queremos ser felizes, mas tem certas situações na vida que são inevitáveis e realmente nos colocam em situação de extrema dor.

Nós mães de Mizuko (anjos) não queríamos a dor, mas a sentimos, pois fomos obrigadas a sentir e temos que lidar com ela a nosso contra gosto. Mas pense, as pessoas que estão em nossa volta também não querem sentir dor, não querem sentir o sofrimento. Elas fogem da dor assim como nós um dia fugimos dela. Nos ver sofrer e chorar faz com que elas percebam que a dor existe e isto incomoda! Até da medo em algumas pessoas! É na tentativa de fugir da dor que as pessoas tentam nos consolar com frases tão superficiais. Uma forma de fazer isto é diminuindo nossa dor e comparando a dor de outras pessoas, ou a minimizando, ou subestimando... Quase como quem diz: “- Foi só um arranhãozinho, antes de casar passa.”

É sempre uma forma de mensurar a dor, ou aumentando, ou diminuindo. Sendo que a dor é algo imensurável, é o que cada um sente a sua maneira. Por exemplo: Fulano quebrou a perna. Você não pode sentir a dor do fulano, mas percebe que quebrar a perna deve ser ruim. O tamanho da dor e do sofrimento só sabe quem passa por ela, e somente esta pode dizer o quanto dói. A dor não pode ser sentida por procuração, ela é pessoal e intransferível. O máximo que alguém que vê de fora pode fazer é perceber que ela existe e que causa o sofrimento, mas elas não conseguem gemer junto com quem sente a dor. O máximo que podem dizer é: - Eu sinto muito.

A você que é mãe de Mizuko (anjo), quando ouvir estas frases que muitas vezes mais ferem do confortam, pensem que elas as vezes partem de pessoas que são completamente analfabetas na questão do sofrimento. Talvez a vida destas pessoas nunca tenham as feito passar por situações de extrema dor (ou de extrema perda). O dia que o sofrimento vier a bater na porta delas talvez sofram tanto ou mais.  Algumas destas pessoas não querem de fato o nosso mal, querem nos ver felizes e sem dor, por isto acham que diminuindo ou acabando com nosso sofrimento num passe de mágica estão fazendo o melhor por nós. Assim elas tem a esperança de não nos ver sofrer. Lembre que elas fogem da dor assim como um dia fugimos dela. A dor incomoda. No fundo sentem medo de sofrer.

Tenha compaixão destas pessoas.

Espero que as campanhas de conscientização ao luto perinatal possam diminuir este "analfabetismo". Ao menos fazer as pessoas tomarem consciência de que a dor existe e que todos nós um dia podemos nos defrontar com ela. De fato as pessoas nunca estão totalmente preparados para este tipo de situação, mas que ao menos possam desenvolver o mínimo de empatia.

Gassho!

*Esta frase, segundo Renato Russo, foi extraída de um livro da Doutrina de Buda. A base do budismo foram os questionamentos de seu fundador com relação a dor e ao sofrimento. Na história de Buda seu pai, na tentativa de proteger o filho de todo o sofrimento, o enclausurou em castelos a onde ele só via alegrias e gente bonita. Um dia Buda quis enxergar além do castelo e se deparou com a doença, a velhice, a dor e a morte. Foi um choque terrível para ele que desde então passou a procurar as respostas de como lidar com isto.




Vitimização ou coragem? Capacidade de cair e se levantar.

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