segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Como são as estátuas de Jizo?


Neste blog já demos a descrição de Jizo Bosatsu, mas daremos um resumo aqui.

Jizō Bosatsu (地蔵) ou Ksitigarbha, é frequentemente representado como um monge errante, muito jovem ou mesmo criança. É considerado o guardião das crianças, inclusive, as abortadas, desencarnadas e aquelas que ainda estão por nascer. Consequentemente é patrono das grávidas e das mulheres em trabalho de parto. Também protetor dos viajantes, tanto em viagens físicas como espirituais. Ele se apresenta em seis diferentes formas para aliviar o sofrimento dos vivos e dos mortos, cada uma associada a um dos Seis Reinos da Existência. Tem a possibilidade de viajar através dos reinos dos animais e dos infernos e ajudar os que lutam para se libertar do sofrimento.


Ti Tsang representação chinesa de Jizo
 
No Japão é comum encontrar seis estátuas de Jizō enfileiradas lado a lado nas beiras das estradas, cruzamentos, nos caminhos para as montanhas e nas entradas dos cemitérios. Quando juntas cada uma carrega um instrumento diferente: o cajado, a pedra da cura, o rosário budista, incenso, flores ou tem as mãos em gassho (juntas). 

Seis estátuas de Jizo em entrada de cemitério no Japão

Em outros casos, o Jizō carrega apenas um cajado com seis anéis, que simbolizam os seis estados do desejo.


Jizo rodeado de pequenos Mizuko-jizo

No nos locais dedicados ao ritual do Mizuko Kuyo a imagem de Jizo pode estar junto a crianças ou rodeada de outras estátuas de Mizuko-jizo, nestas ele pode estar com ou sem o cajado.


Outra forma de Jizo é como Mizuko-jizo, estes tem forma e feições infantis e geralmente são dedicadas a crianças perdidas durante a gestação ou mortas na primeira infância. Podem estar sozinhas, ou em grupo, ou numa multidão de Mizuko-jizo. Podem ser desde pequeninas estatuetas feitas de materiais diversos como resina, até um pouco maiores feitas de cimento ou pedra.

Mizuko-jizo de resina em templo japonês

Vários Mizuko-jizo em cemitério japonês

Considerações sobre estátuas de Jizo Bosatsu no Brasil


Me perguntaram se tem estatuetas de Jizo para vender no Brasil. Talvez em São Paulo a onde tem mais templos budistas japoneses. Alguns podem ser vendidos em sytes de venda internacional como eBay e Amazon. Meu sonho é poder futuramente replicar algum modelo em resina, só consegui replicar até agora os Jizo infantis.

Estatueta de Jizo em resina de procedência Japonesa
Já encontrei nas lojas de bazar e decoração no Brasil imagens de Mizuko-Jizo que as lojistas vendiam como “monges” ou “budas crianças”, mas de fato são estátuas de Jizo infantilizadas.

Estátuas de Mizuko-jizo encontradas em bazares de Porto Alegre
 No templo Nambei do budismo Shingon da cidade de Suzano-SP há uma estátua de Jizo e todos os anos se faz rituais à este bodisatva (link do Facebook). Outros templos da escola de budismo Shingon no estado de São Paulo tem estátuas de Jizo em suas dependências. Na comunidade budista que frequento da escola Soto-shu também há imagens de Jizo.

Estátua de Jizo do templo Nambei em Suzano-SP

NÃO SÃO REPRESENTAÇÕES DE JIZO

Coincidentemente atualmente no Brasil esta na moda pequenas estátuas de Buda infantilizadas, estas a princípio não tem nenhuma relação com qualquer cultura budista asiática, são na verdade criação do ocidente, estão mais para objeto decorativo. Inclusive se criou uma cultura para este tipo de imagens que é mais uma estratégia de vendas aliado a crendice popular brasileira do que a uma cultura propriamente budista. Cada cor de "budas bebês" traria uma "energia" diferente, crença esta que destoa completamente do budismo de fato. As cores quando aparecem nas representações de Buda, como por exemplo o Buda da Medicina (azul lapiszuli), são para fins simbólicos e não para fins mágicos e sobrenaturais.

NÃO É JIZO

Outras imagens muito famosas aqui no Brasil é a representação de crianças monges, estes são mais representação de crianças, não tem ligação nenhuma com Jizo Bosatsu, também são objetos puramente decorativos. Apesar disto, na falta de imagens de Jizo aqui no Brasil, já vi casos de pais que usaram estas estatuetas para substituir as estátuas de Jizo.

Estátuas de monges crianças

A única representação infantil de Buda vinda da Ásia é a representação de Buda bebê que durante o Festival das Flores (Hanamatsuri) é banhada por chá de jasmim. O Hanamatsuri é a comemoração do nascimento de Buda.  

Buda bebê


Os brasileiros não tem muita intimidade com os bodisatvas, com exceção de Kannon (Kuan Yin), os outros bodisatvas não são bem desconhecidos aqui. Quando estes bodisatvas aparecem são confundidos com outra coisa ou chamados de "budas". Temos um conceito de "Buda" bem estereotipado aqui, muito achismo, muita desinformação e um tanto de "cultura" popular brasileira que se criou em cima disto. Um exemplo é a estátua do "buda gordo" equivocadamente confundido com o buda fundador do budismo, mas que na verdade é a entidade conhecida no Japão como Hotei (Budai na China).


Ver também:


sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Perda Gestacional e "As Quatro Nobres Verdades"


Este era um texto que queria ter escrito a mais tempo, cheguei até a iniciar um, mas como estava ainda muito abalada, não ficou bom. Hoje veio a inspiração após ler um relato de uma mãe em um grupo de apoio a perda gestacional. Segue o texto!

Quando no teste de gravidez surge o “positivo” e descobrimos que uma nova vida esta por vir logo pensamos na mais sublime manifestação da vida, a chegada de um novo ser ao mundo. A expectativa que se tem na maioria das vezes é a da vida, porém, infelizmente, nada neste mundo, absolutamente nada, nos torna tão especial a ponto de nos livrar da decepção de uma grande perda. Sim, a "morte" (não vida) pode chegar para mim e para você. Se tem uma coisa que a perda gestacional (e neonatal) ensina é que não temos o total controle do nosso destino. Contra o tempo e seus imprevistos, somos completamente impotentes.

O sentimento de impotência com relação aos imprevistos da vida pode acontecer com muitas coisas que não planejamos, com um carro roubado, com um relacionamento que acaba, com um emprego que se perde… O problema é que na perda gestacional tem outro sentimento em jogo, o amor por um filho. E ai entramos numa outra questão, quanto mais o amamos, maior é o apego, consequentemente maior é a dor da perda. O preço do amor é tão grande quanto o preço da dor. Apesar da dor ser grande, deixo claro que cada indivíduo a sente a sua maneira.

Outro dia li num relato de uma mãe que perdeu o filho, o quanto ela lamentava ter que passar por tanta dor, também lamentava a ironia do destino de te-la feito passar por isto. Ela fazia o questionamento sobre se um dia ia “voltar a ser o que era antes”. Como já mencionado, não temos o poder de mudar nosso destino com relação ao que passou, somos impotentes com relação a isto. 

"Voltar a ser como era" implica em não viver o momento que vivemos agora, consequentemente não ter vivido nem o momentos ruins e nem os momentos bons. Se tivéssemos o poder de “voltar a ser como antes” não só teríamos o poder de não sentir dor, mas também de apagar todo o amor que gerou o sentimento de perda. Não temos mais o poder de mudar o passado, o que temos de concreto é o presente, e é neste que temos que atuar.

Não há outra saída, quando se ama e se perde, fatalmente sofreremos. Viver cada dia é correr o risco de ganhar e perder, de amar e sofrer. Esta é a intransitoriedade da vida, nada é permanente, tudo pode mudar num estalar de dedos, num momento estamos felizes cheios de planos, no outro estamos devastados pela dor, sem rumo e sem chão.

Buda num dos seus primeiros discursos fala das quatro nobres verdades, seriam elas:
Dukka - a consciência da existência do sofrimento;
Samudaya – a consciência do que origina o sofrimento;
Nirodha – a consciência de que podemos cessar este sofrimento;
Magga – a consciência de que podemos encontrar os caminhos para cessar este sofrimento.

Com estas verdades Buda tinha o objetivo de nos ensinar a compreender os mecanismo que geram o nosso sofrimento. Assim sendo, tomando conhecimento das causas e dos efeitos do sofrimento, podemos ter ferramentas para entende-lo e "supera-lo".

A perda de um filho nos ensina de maneira muito dramática primeira nobre verdade descrita por Buda (Dukka). Quando perdemos um filho tomamos o conhecimento de que a dor existe. Este sofrimento ainda é  maior porque nutrimos um sentimento de amor pelo que perdemos, temos um apego muito grande ao que amamos (Samudaya). O que é mais complicado para quem esta enlutado é tomar consciência de que podemos dar um novo significado para a perda (Nirodha).

Superar o sofrimento não é passar uma borracha e apagar da vida tudo o que aconteceu, não é voltar no tempo de deixar de amar, não é impedir que as coisas ruins aconteçam, etc. Superar o sofrimento é dar um novo significado para este sentimento. Buda no seu ensinamento "Magga" deu uma receita que serve para nortear nossos passos para encontrar um novo significado para a vida, o Nobre Caminho Óctuplo.

A princípio o sofrimento do luto na perda gestacional gera sentimentos conflitantes, culpa, vazio, raiva, tristeza, desespero, revolta, saudade, pesar… São sentimentos mais do que normais, pois no inicio ainda estamos tentando processar o que aconteceu, mas com o tempo temos que tirar deste turbilhão os melhores ensinamentos. Dentro de tudo que aconteceu o que isto me trouxe, sentimento de dor ou de amor? Não seria melhor levar mais amor? O que seria melhor, lamentar eternamente a perda ou bendizer a oportunidade de ter vivido um grande amor? Enfim… Pode parecer doloroso no início, mas com o tempo encontramos formas de aprender a conviver com a dor e torna-la mais branda.

Gosto de lembrar de meu filho como uma coisa muito boa que aconteceu em minha vida, um ser que me acompanhou por um tempo, mas que neste curto espaço de tempo me ensinou o amor mais sublime e incondicional, o sentimento mais nobre que uma mulher pode nutrir na vida, o amor de uma mãe por um filho. Este ser poderia ter ficado comigo dois meses ou uma "eternidade", nada mudaria o meu sentimento de amor incondicional. Este filho me tornou uma pessoa melhor, mais compassiva, mais empática, mais solidária com o sofrimento. É um filho que partiu, mas que modificou meu coração. Meu filho estará sempre vivo nas minhas lembranças. É este amor incondicional que me faz hoje querer que ele esteja com luz a onde quer que esteja. Ele/ela cumpriu sua jornada por aqui da melhor forma possível e, no que depender de mim, esta passagem sempre será muito honrada.

Esta foi a forma mais “correta” de superar o sofrimento, não esquecendo o que aconteceu, mas aceitando os ensinamentos que a perda me trouxe e dando um novo significado a tudo isto. Meu filho foi entregue para a luz e hoje trilha seu caminho. 

Gassho. _/|\_




Obs.: em outro texto falo sobre o luto e o caminho óctuplo.


quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Perder um filho, a chicotada que doeu osso (ou na alma)


Boa tarde mães.

Hoje quero dividir um aprendizado com vocês. Este ensinamento é muito pertinente já que nós mães de Mizuko (anjos, estrela) lidamos tanto com esta questão, O Sofrimento.
Esta história de Buda é interessante, e me fez refletir muito sobre o aprendizado da dor, sofrimento, compaixão e empatia.

Certa vez quando discursava Buda falou da história dos 4 cavalos.

Existem quatro tipos de cavalos:

O primeiro anda só de ver a sombra do chicote;
O segundo anda quando o chicote toca a pele;
O terceiro quando o chicote machuca;
O quarto anda quando a chicotada dói no osso.

Notei que para as questões de dor e sofrimento as vezes agimos como um destes cavalos. Por exemplo: alguns se sensibilizam somente de tomar conhecimento do sofrimento, outros quando veem alguém sofrer, outros quando veem alguém que amam sofrer, outros quando sente na pele o sofrimento. Existem pessoas que para exercer a empatia precisam primeiro sentir na pele.

Temos que ter muita compaixão com aqueles que insistem em aprender da forma mais difícil, pois se tiverem que aprender, vão aprender da pior forma.

Acredito que cada mãe que perdeu um filho aprendeu muito sobre a dor, e da forma mais difícil. Acho que na minha vida nada doeu tanto quanto perder um filho. Pra mim esta foi a "chicotada que doeu no osso". Foi só assim que entendi de verdade a dor de uma tia minha que enterrou um filho. Não que antes eu não me sensibilizasse com a dor dela, mas hoje eu entendo porque o seu luto não acaba.

Ao entender que alguns são relutantes no aprendizado da dor, consegui lidar melhor com relação as questões de falta de empatia. Não sinto mais tanta raiva quando percebo que alguém é incapaz de me entender. Existem pessoas e pessoas neste mundo, não perco mais meu tempo com as que só aprendem da pior forma.

Não quero com isto dizer que não vale a pena esclarecer sobre a perda gestacional e neonatal, não podemos deixar de fazer isto porque existem aqueles que “o chicote tem que doer no osso”, mesmo porque ainda existem os que “aprendem com a sombra”. Que possamos esclarecer mostrando o nosso exemplo para que ninguém tenha que aprender da pior forma.


As mães eu digo, a compaixão é um bom antídoto, que possamos exerce-la para tonar nossa caminhada (dharma) mais leve. Principalmente a compaixão com os “cavalos mais teimosos”.
 
Gassho!  _/|\_






Vídeo complementar:






Vitimização ou coragem? Capacidade de cair e se levantar.

Infelizmente por medo do próprio sofrimento (pois ninguém quer sofrer) muitas pessoas criam uma blindagem de "bem estar" e ...