segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Mais considerações sobre o serviço de Mizuko-kuyo


Acompanhando a hashtag #水子供養 no Instagram podemos ver vários depoimentos de mães que encomendam o serviço de Mizuko-kuyo. Também lendo algumas páginas de templos Japoneses (link, link) que oferecem o serviço dá para saber um pouco como a cerimônia se procede.

Print de paginas de templos budistas que oferecem o Mizuko-kuyo 


O que se percebe primeiramente na #水子供養 (#mizukokuyo) é que a dor da perda de um filho, mesmo sendo no primeiro trimestre é muito sentida pelas mães japonesas, portanto concluo que independente de cultura, perder um filho é algo que abala os pais de qualquer forma.

Outro aspecto interessante a se considerar, os japoneses tem uma relação com o “mundo espiritual” (termo mais conhecido dos brasileiro) bem peculiar. Devido a influência da cultura dos Kamis derivada do Xintoismo, os japonese acreditam que tudo tem uma “alma”, até mesmo montanhas, árvores, pedras e rios. A introdução do Budismo (de origem hindu) no Japão não entrou em conflito com a antiga crença nativa japonesa, mas sim agregou valores e estas duas convivem harmonicamente. No Japão o budismo é geralmente o que se encarrega das cerimônias fúnebres. Como Já falei em outro post (link), no budismo se considera que as vidas são cíclicas, estamos renascendo constantemente nos “seis reinos da existência”, portanto um pequeno embrião era uma vida e nunca deixa de ser. 

 
É por isto que há muita naturalidade dos pais japoneses em fazerem uma cerimônia para seus bebês perdidos, pois esta sociedade parte do princípio que aquele ser que esteve no ventre estava antes em algum lugar e que por compaixão deve-se encaminha-lo para um lugar de muita luz. Há mais “espontaneidade” com relação a ressignificação do luto na perda gestacional. Muito diferente do que passamos aqui no ocidente em que muitos não validam a vida de um bebê que não saiu vivo da barriga. Como se existisse uma “lei”: “não nasceu, não existiu, não é vida”. Aliás, acredito que até alguns aqui se sintam constrangidos na hora de fazer homenagens a seus bebês, tanto que muitos até escondem o fato que tiveram uma perda.

Lendo alguns sites de templos japoneses que oferecem a cerimônia do Mizuko-kuyo e o relato das mães na hashtag #水子供養 dá para perceber a preocupação de pais e monges em tratar bem “alma” do “Mizuko” que esta no “além”. Há a preocupação de encaminhar este “anjo” para a luz num pequeno “funeral”, há a preocupação com sua evolução, pois ainda há um ser vivo em outros planos (reinos) precisando de muitos mantras e preces para continuar sua jornada até se tornar um buda (tornas-se um “Jôbutsu” ver link).

Para a realização do ritual do Mizuko-kuyo os pais podem levar flores, doces, brinquedos, roupinhas de bebê, coisa que lembre aquele bebê que se foi, alguns casos leva-se até mesmo as ecografias, também se leva um juzu (japamala, rosário) e uma carta dedicatória. Não sei como é a questão quanto ao acesso dos pais aos restos embrionários, se estes são entregue após um procedimento de curretagem (aqui não temos acesso e acaba se tornando lixo hospitalar), não tenho esta informação, mas perdas gestacionais tardias pode-se fazer a cremação do bebê e as cinzas fazem parte do ritual de Mizuko-kuyo. As recomendações do que levar para o mizuko, como proceder e vestimenta dos pais são recomendadas pelo templo.

 
Recomendações do que levar e como se vestir para o Mizuko-kuyo (link)

Ao solicitar o serviço de Mizuko-kuyo os pais geralmente tem uma conversa com o monge oficiante da cerimônia, nesta os pais podem tirar dúvidas sobre custos e procedimentos, podem pedir conselhos, pois afinal de contas, trata-se de uma experiência de sofrimento para os pais e para o bebê. A base do ensinamento budista é exatamente o aprendizado de como lidar com as questões da morte e do sofrimento. A tarefa de um monge budista, por conta de seus votos, é exercer a compaixão e ensinar o Dharma. Os monges também respeitam quando os pais querem sigilo no processo.

Na cerimônia são rezados mantras budistas típicos de funerais e também mantras para Jizo Bosatsu e, em alguns casos, para Kannon. Além é claro dos pais adquirirem as estatuetas de Jizo infantilizada. Durante a cerimônia se dá um “nome de Dharma” ao bebê que é escolhido pelo monge, este nome é escrito numa tabuinha. Para aqueles pais que não souberam o sexo, esta é uma oportunidade de dar um nome para o filho. As estatuetas de Jizo infantilizadas que representam o bebê podem ser colocadas num memorial de Mizuko-jizo que existem nos templos que realizam o serviço.

Após o ritual os cuidados com o mizuko continuam, pois pode-se fazer homenagens aos bebês nos templos, e continuar a rezar mantras a Jizo em casa no oratório doméstico (botsudan), ou visitar os templos com memorial de Mizuko-Jizo em datas específicas como finados, dia das crianças, e até mesmo natal. Nesta ocasião os pais oferecem pequenas “oferendas” como doces, brinquedos, roupinhas, flores, incenso, velas, etc. No budismo se rezam “missas” no 7º e no 49º dia (ver mais no link). Acredita-se que 49 dias é tempo que a alma leva para cumprir todas as etapas para um novo renascimento, este é um período muito importante para quem “desencarnou” (usando termo do espiritismo).

Será um pai ou um avô de mizuko? Seja quem for continua cuidando do seu anjo. 


Assim como qualquer outro serviço realizado por templos budistas, a cerimônia do Mizuko-kuyo é paga, custo que varia conforme as escolhas de quem solicita o serviço. Há venda de urnas funerárias para as cinzas dos bebês, tabletas para escrever o nome dos mizukos, oratórios, porta incenso, imagens de Jizo, etc (saber mais sobre funeral japonês no link, link). As estatuetas de Mizuko também são compradas, tem vários tipos desde as bem pequenas, até as feitas com cimento, cerâmica ou pedra (já falamos das estátuas de Jizo. Vide link, link).

Urna funerária, tábua para escrever o nome e sino do @onori_ochestra



Os japoneses não veem problema de pagar por este serviço, estes se sentem muito honrados de ter um monge rezando por seus entes querido, a gratificação monetária é uma demonstração de gratidão. E pensando bem, se formos analisar, gastaríamos com festas de aniversário, fraldas, brinquedos, com escola e faculdade... E não estaríamos reclamando, faríamos tudo na maior felicidade!!! Gastar um pouco com uma homenagem para o filho que “esta no céu” é o mínimo comparado ao que faríamos por eles vivos, portanto não vejo isto como algo ruim.

Espero que tenham gostado destas considerações e não se sintam mais constrangidos ao homenagear a existência de seus anjos.

Gassho.

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