segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A importância de ressignificar o luto e de rituais como Mizuko-kuyo


É com um profundo sentimento de gratidão e sentimento de dever cumprido que escrevemos este post.

Esta semana tivemos um surpresa no site do “Grupo Sobreviver –Apoio da Perda Gestacional e do Recém Nascido” na parte de relato das mães de anjo. No depoimento Somos oito – Um relato sobre como ressignificar o luto das perdasprecoces” uma mãe conta como ressignificou suas perdas gestacionais com uma prática inspirada no Mizuko-kuyo. Esta mãe foi inspirada por uma matéria que fizemos ainda no blog do Grupo Sobreviver que tinha o título: “Perda Gestacional na Cultura japonesa e o Mizuko-kuyo”(atualmente neste link). Ficamos felizes que tenhamos ajudado e inspirado outros pais a ressignificar seu luto e a homenagear a passagem de seus filhos nesta existência. 

 

O budismo no Brasil é uma religião que, apesar de muita gente saber do que se trata, ainda é pouco conhecida na sua essência pelos brasileiros. Ainda temos as diversas linhas distintas do budismo como theravada, tibetana e mahayama. Apesar de termos a maior colônia japonesa do mundo e dos brasileiros conceberem a ideia de que os japoneses estão presentes na construção deste país, muito da cultura japonesa não consegue romper as diferenças culturais e acabam não aparecendo. O fluxo de imigração japonesa para o Brasil diminuiu a partir da década de 70, justamente quando a prática do Mizuko-kuyo no Japão se tornou mais usual. Por isto que a cerimônia é pouquíssimo conhecido aqui no Brasil, até mesmo pelos budistas brasileiros. 

Mas a questão é: se não temos a procura por este tipo de serviço, haverá o interesse de quem poça o oferecer? Nisto esbarramos em outra dificuldade, a da nossa sociedade de lidar e assimilar os processos de perda e morte e, consequentemente, de perdas gestacionais e neonatais. Se não conseguimos nem dar a permissão para que pais e mães chorem por seus filhos, quem dirá de fazer um ritual e prestar homenagens aos mesmo. Geralmente se espera que os pais que passaram pela perda gestacional se recuperem do acorrido, pois via de regra, para a sociedade, estes não tem muito o que lamentar, pois o filho perdido "oficialmente" “sequer nasceu”. Para as pessoas que viveram se faz missas, cultos… (vide link) Mas para os que não nasceram vivos, o que se faz?

Muitos profissionais da área de psicologia que lidam com a questão do luto ressaltam a importância dos processos de ressignificação da perda, e nestes é muito importante “rituais” de despedidas para o fechamento de um ciclo (vide o link). Muitos pais que perdem filhos numa gestação procuram ferramentas para ressignificar seu luto entre elas, caixa de lembranças, o plantio de uma árvore, a soltura de balões, fazem uma tatuagem, criam um cantinho na casa para acender velas, etc. Nesta semana de Sensibilização da Perda Gestacional um grupo de Manaus (Instituto Amor Nosso) realizou uma caminhada e soltou balões. Outros grupos incentivaram os pais a acender uma vela as 19h do dia 15 de outubro para lembrar os filhos que partiram.


O ritual do Mizuko-kuyo, se fosse praticado aqui no Brasil, seria mais uma ferramenta para a ressignificação do luto parental.
Posso dizer que prática de um ritual inspirado no Mizuko-kuyo me ajudou muito na ressignificação do luto, e com toda a atmosfera dos conceitos budistas de renascimento, interdependência, me fez ter um entendimento muito abrangente do processo de perda. É uma pena que por questões de tabu, preconceito e desconhecimento a prática não seja feita aqui.

Seria muito positivo se as religiões também criassem meios de acolher estes pais enlutados, pois a religião trabalha com isto, com a nossa ligação com o divino, com o espiritual e com aquilo que só podemos alcançar por meio da fé e crença.

Que a luz esteja com todos os mizukos e com seus pais.


Gassho. _/|\_




O templo existente na cidade de Suzano (NambeiShingonshu Daigozan Jomyoji) realiza cerimônias para Jizo Bosatsu todos os anos (vide link do facebook). A monja Isshin também já realizou cerimônias para Jizo na sua comunidade (vide link). 

Tour pelo templo Manbei de Suzano-SP





15 de outubro, gratidão, grupo Sobreviver e Mizuko-kuyo


Considerações sobre o 15 de outubro, agradecimentos e considerações sobre o budismo e o Mizuko-kuyo

Bom dia pais e mães!

Mês de outubro esta sendo muito intenso para nós, dia das crianças, dia Internacional da Sensibilização da Perda Gestacional e Neonatal, completou-se um ano que nosso Mizuko ("anjo") nos deu um breve oi. Foi um “olá” que mudou nossas vidas, não da forma que gostaríamos, mas uma coisa é certa, encheu nosso coração de amor, impulsionou este blog e inspirou outras mães e pais.
Apesar do imenso vazio que sentimos, lacuna esta que talvez nada preencha e apenas aprendamos a conviver com ela, espalhamos a empatia, a compaixão, principalmente aos mizukos e aos seus pais. Temos muitos pais para abraçar nesta causa, não que isto seja um mérito, pois acreditamos que ninguém deseja passar por esta experiência, mas porque ainda temos muito que esclarecer sobre esta realidade que ainda é tratada como um tabu por nossa sociedade.
Este blog nasceu durante a elaboração de um luto e após a tomarmos o conhecimento de uma prática do budismo japonês chamado Mizuko-kuyo. Todo o processo que levou a nossas tentativas de engravidar até nosso processo de elaboração do luto teve o apoio dos conselhos de uma pessoa, monja Isshin, que a exemplo de bodisatva Kannon, escutou nosso lamento, nos amparou permitindo que vivêssemos nosso luto.
É por isto que este blog tem os ensinamentos budistas como inspiração, pois esta é uma crença que surgiu do anseio de encontrar as respostas para o sofrimento da humanidade. O que os pais que perderam os filhos mais precisam é de encontrar respostas para os seus anseios, e acreditamos que o budismo consegue dar respostas muito satisfatórias com relação a isto.
Também devemos muito aos grupos de apoio nas redes sociais, principalmente a bem administrado grupo Sobreviver que nos permitiu um local de escuta e acolhida. Realmente nos sentimos abraçados, lá podemos dar vazão aos nossos sentimentos. Foi no blog do grupo Sobreviver que a um pouco menos de um ano publicamos a matéria “Perda Gestacional na Cultura japonesa e o Mizuko-kuyo”.
Para nossa surpresa este mês uma mãe publicou na página do Grupo Sobreviver seu relato (Somos oito – Um relato sobre como ressignificar o luto das perdas precoces) de como ressignificou suas perdas gestacionais inspirados no exemplo da prática do Mizuko-kuyo. Ficamos felizes que tenhamos ajudado e inspirado outros pais a ressignificar seu luto e a homenagear a passagem de seus filhos nesta existência.
Como gostamos de enfatizar, creditamos que exemplos como a pratica japonesa do Mizuko-kuyo possa servir não só de inspiração, mas como uma ferramenta de elaboração do luto parental e para que os próprios pais possam também quebrar os tabus das perdas gestacionais e neonatais. Que nós possamos celebrar a passagem de nossos mizukos (“anjos”, “estrelinhas”) de forma tão respeitosa e espontânea quanto os japoneses o fazem. Sei que a cultura japonesa (influenciada pelo confucionismo, taoismo, xintoismo e budismo) é muito diferente da nossa, mas que possamos aprender com o que tem de melhor nesta cultura.
Gostaria de fazer um apelo especial a todos, que também abrace a causa da Conscientização da Perda Gestacional e pensem carinhosamente nos benefícios de práticas que acolham os pais enlutados. Como num exemplo de compaixão devemos acolher estes pais enlutados, assim como a todos os seres que por mais breve que tenha sido sua passagem por este reino da existência (mesmo como um embrião), ainda sim merecem toda a compaixão e respeito.

Gassho.





quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Outubro, mês da sensibilização da perda gestacional - um ano do positivo


Abraço bem apertado a todas as mães.

Este mês de outubro além de ser o mês da sensibilização da perda gestacional é o mês que completa um ano da descoberta do nosso positivo. A exatos um ano estava feliz e ao mesmo tempo muito preocupada com todas as responsabilidades da maternidade, correndo para obstetras para preparar da melhor forma possível a chegada de nosso filho. Jamais passava pela nossa cabeça que um ano depois estaríamos digitando este blog e nos engajando nesta causa. Quebrando o silêncio de uma situação que jamais queríamos ter passado. Foi um ano de muitas fortes emoções! Para ser bem sinceros, de fato daríamos tudo para não ter passado por tudo isto, mas enfim, as coisas as vezes acontecem sem que possamos evitar… Cá estamos engajados nesta causa nobre e nem sempre fácil de lidar.



Um ano depois não podemos mais dizer que somos as mesmas pessoas, nossa ingenuidade acabou, não pensamos mais que fazer um filho é a coisa mais simples do mundo, aprendemos muitas coisas. É certo que não foi um aprendizado nada fácil, mas sim cheio de dor, sofrimento e de sentimentos conflitantes. Foi um ano de um aprendizado de muito amor apesar da dor. Sim, porque apesar de tudo, ainda amamos aquele ser que um dia nos trouxe tanta felicidade. Este ser foi importante sim, pois a partir dele nasceu este blog e tantas outras coisas.
Como descrevo na apresentação deste blog, o ser que estávamos gerando não podia jamais ser considerado um embrião que fracassou, pois desde antes de sua concepção ele veio trazendo muito aprendizado. Só tínhamos uma condição, considera-lo um Ser muito especial apesar da sua curta passagem por aqui. Portanto, para validar esta passagem e não deixar este dia tão importante em branco, escrevemos este texto por Ele/Ela, por todos que passaram e encheram os corações de seus pais de ternura e por todos os pais que hoje buscam um novo significado para a vida.

Afinal de contas, depois de um ano, o que aprendemos com tudo isto?

- Amor incondicional: este amor aprendemos na descoberta do positivo, a única coisa que tínhamos certeza é que amaríamos aquele ser de qualquer forma;
- Amor imensurável: também se aprende desde o inicio que nada pode medir este amor, não é porque é uma amor de primeiro trimestre de gravidez, ou de 40 semanas, é desde sempre um amor grande, tão grande que é imensurável;
- Amor insubstituível: esta certeza temos desde o inicio, mas com a perda este sentimento fica muito mais forte, pois este amor é único, jamais substituível, jamais compensável;
- Amor infinito: o amamos desde o primeiro instante e continuamos o amando independente da condição;
- Amor libertador: este amor foi aprendido com o luto, e a pratica de mizuko-kuyo foi uma das ferramentas que precisamos para entender que nosso filho tão amado, tão desejado, teria que ser encaminhado da melhor forma possível para a luz infinita para que possa seguir sua jornada;
- Amor compassivo: amor complicado, mas por Ele/Ela tivemos que aprender para poder seguir, pois para amar tivemos que ter muita compaixão de todos aqueles que infelizmente insistem na falta de empatia, pois nosso amor por Ele/Ela não compensa passar por aborrecimentos.

A compaixão é o que move este blog. Compaixão com todos os seres, principalmente com os pais que a cada minuto compartilham da dor da perda de um filho e, compaixão para com os mizukos que merecem muita luz infinita. Este blog é para eles, para os Mizukos, para que todos eles possam com a ajuda do amor dos pais serem honrados, validados e encaminhado para a luz. Apesar deste blog ser inspirado no budismo, ele se dirige a todos os pais, independente de religião, pois a luz deve ser espalhada a todos os seres indistintamente.
Este blog não pode parar, nem mesmo quando o arco-íris vier a aparecer após a tempestade, porque como falamos, o Ser que motivou a criação deste blog é um Ser insubstituível e seu legado deve prevalecer, pois foi para este propósito que Ele/Ela veio.
 
Este mês teremos bastante publicações neste blog, muitas delas divulgando o trabalho dos grupos de apoio a perda gestacional. Espero que consiga até o final do mês elaborar um texto muito importante sobre o luto que é a continuação um texto anterior, texto este que será de muita importância para ajudar os pais enlutados a darem um novo significado a sua perda. E que até o final do mês muitas novidades venham.


Gassho.





Filho, cá estamos com muita saudades, a um ano descobrimos que você estava entre nós, foi o momento mais feliz de nossas vidas. Jamais imaginamos que esta passagem tua por aqui seria tão breve. Bem gostaríamos que hoje você tivesse aqui nos dando outro tipo de trabalho que não fosse lidar com o vazio de sua perda. Que pudéssemos estar perdendo noites de sono tentando te alimentar, te fazer dormir, te manter confortável e acolhido. Saudades suas sentimos, principalmente saudades dos planos que tivemos e do que não vivemos. A única certeza que temos hoje é que te amamos muito, tanto que este amor tem que ser espalhado para iluminar o caminho de todos os que passaram tão brevemente quanto você. Que tu esteja a caminho da luz infinita. No que depender de nós você sempre estará com a luz infinita.


Vídeo complementar:






segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Como são as estátuas de Jizo?


Neste blog já demos a descrição de Jizo Bosatsu, mas daremos um resumo aqui.

Jizō Bosatsu (地蔵) ou Ksitigarbha, é frequentemente representado como um monge errante, muito jovem ou mesmo criança. É considerado o guardião das crianças, inclusive, as abortadas, desencarnadas e aquelas que ainda estão por nascer. Consequentemente é patrono das grávidas e das mulheres em trabalho de parto. Também protetor dos viajantes, tanto em viagens físicas como espirituais. Ele se apresenta em seis diferentes formas para aliviar o sofrimento dos vivos e dos mortos, cada uma associada a um dos Seis Reinos da Existência. Tem a possibilidade de viajar através dos reinos dos animais e dos infernos e ajudar os que lutam para se libertar do sofrimento.


Ti Tsang representação chinesa de Jizo
 
No Japão é comum encontrar seis estátuas de Jizō enfileiradas lado a lado nas beiras das estradas, cruzamentos, nos caminhos para as montanhas e nas entradas dos cemitérios. Quando juntas cada uma carrega um instrumento diferente: o cajado, a pedra da cura, o rosário budista, incenso, flores ou tem as mãos em gassho (juntas). 

Seis estátuas de Jizo em entrada de cemitério no Japão

Em outros casos, o Jizō carrega apenas um cajado com seis anéis, que simbolizam os seis estados do desejo.


Jizo rodeado de pequenos Mizuko-jizo

No nos locais dedicados ao ritual do Mizuko Kuyo a imagem de Jizo pode estar junto a crianças ou rodeada de outras estátuas de Mizuko-jizo, nestas ele pode estar com ou sem o cajado.


Outra forma de Jizo é como Mizuko-jizo, estes tem forma e feições infantis e geralmente são dedicadas a crianças perdidas durante a gestação ou mortas na primeira infância. Podem estar sozinhas, ou em grupo, ou numa multidão de Mizuko-jizo. Podem ser desde pequeninas estatuetas feitas de materiais diversos como resina, até um pouco maiores feitas de cimento ou pedra.

Mizuko-jizo de resina em templo japonês

Vários Mizuko-jizo em cemitério japonês

Considerações sobre estátuas de Jizo Bosatsu no Brasil


Me perguntaram se tem estatuetas de Jizo para vender no Brasil. Talvez em São Paulo a onde tem mais templos budistas japoneses. Alguns podem ser vendidos em sytes de venda internacional como eBay e Amazon. Meu sonho é poder futuramente replicar algum modelo em resina, só consegui replicar até agora os Jizo infantis.

Estatueta de Jizo em resina de procedência Japonesa
Já encontrei nas lojas de bazar e decoração no Brasil imagens de Mizuko-Jizo que as lojistas vendiam como “monges” ou “budas crianças”, mas de fato são estátuas de Jizo infantilizadas.

Estátuas de Mizuko-jizo encontradas em bazares de Porto Alegre
 No templo Nambei do budismo Shingon da cidade de Suzano-SP há uma estátua de Jizo e todos os anos se faz rituais à este bodisatva (link do Facebook). Outros templos da escola de budismo Shingon no estado de São Paulo tem estátuas de Jizo em suas dependências. Na comunidade budista que frequento da escola Soto-shu também há imagens de Jizo.

Estátua de Jizo do templo Nambei em Suzano-SP

NÃO SÃO REPRESENTAÇÕES DE JIZO

Coincidentemente atualmente no Brasil esta na moda pequenas estátuas de Buda infantilizadas, estas a princípio não tem nenhuma relação com qualquer cultura budista asiática, são na verdade criação do ocidente, estão mais para objeto decorativo. Inclusive se criou uma cultura para este tipo de imagens que é mais uma estratégia de vendas aliado a crendice popular brasileira do que a uma cultura propriamente budista. Cada cor de "budas bebês" traria uma "energia" diferente, crença esta que destoa completamente do budismo de fato. As cores quando aparecem nas representações de Buda, como por exemplo o Buda da Medicina (azul lapiszuli), são para fins simbólicos e não para fins mágicos e sobrenaturais.

NÃO É JIZO

Outras imagens muito famosas aqui no Brasil é a representação de crianças monges, estes são mais representação de crianças, não tem ligação nenhuma com Jizo Bosatsu, também são objetos puramente decorativos. Apesar disto, na falta de imagens de Jizo aqui no Brasil, já vi casos de pais que usaram estas estatuetas para substituir as estátuas de Jizo.

Estátuas de monges crianças

A única representação infantil de Buda vinda da Ásia é a representação de Buda bebê que durante o Festival das Flores (Hanamatsuri) é banhada por chá de jasmim. O Hanamatsuri é a comemoração do nascimento de Buda.  

Buda bebê


Os brasileiros não tem muita intimidade com os bodisatvas, com exceção de Kannon (Kuan Yin), os outros bodisatvas não são bem desconhecidos aqui. Quando estes bodisatvas aparecem são confundidos com outra coisa ou chamados de "budas". Temos um conceito de "Buda" bem estereotipado aqui, muito achismo, muita desinformação e um tanto de "cultura" popular brasileira que se criou em cima disto. Um exemplo é a estátua do "buda gordo" equivocadamente confundido com o buda fundador do budismo, mas que na verdade é a entidade conhecida no Japão como Hotei (Budai na China).


Ver também:


sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Perda Gestacional e "As Quatro Nobres Verdades"


Este era um texto que queria ter escrito a mais tempo, cheguei até a iniciar um, mas como estava ainda muito abalada, não ficou bom. Hoje veio a inspiração após ler um relato de uma mãe em um grupo de apoio a perda gestacional. Segue o texto!

Quando no teste de gravidez surge o “positivo” e descobrimos que uma nova vida esta por vir logo pensamos na mais sublime manifestação da vida, a chegada de um novo ser ao mundo. A expectativa que se tem na maioria das vezes é a da vida, porém, infelizmente, nada neste mundo, absolutamente nada, nos torna tão especial a ponto de nos livrar da decepção de uma grande perda. Sim, a "morte" (não vida) pode chegar para mim e para você. Se tem uma coisa que a perda gestacional (e neonatal) ensina é que não temos o total controle do nosso destino. Contra o tempo e seus imprevistos, somos completamente impotentes.

O sentimento de impotência com relação aos imprevistos da vida pode acontecer com muitas coisas que não planejamos, com um carro roubado, com um relacionamento que acaba, com um emprego que se perde… O problema é que na perda gestacional tem outro sentimento em jogo, o amor por um filho. E ai entramos numa outra questão, quanto mais o amamos, maior é o apego, consequentemente maior é a dor da perda. O preço do amor é tão grande quanto o preço da dor. Apesar da dor ser grande, deixo claro que cada indivíduo a sente a sua maneira.

Outro dia li num relato de uma mãe que perdeu o filho, o quanto ela lamentava ter que passar por tanta dor, também lamentava a ironia do destino de te-la feito passar por isto. Ela fazia o questionamento sobre se um dia ia “voltar a ser o que era antes”. Como já mencionado, não temos o poder de mudar nosso destino com relação ao que passou, somos impotentes com relação a isto. 

"Voltar a ser como era" implica em não viver o momento que vivemos agora, consequentemente não ter vivido nem o momentos ruins e nem os momentos bons. Se tivéssemos o poder de “voltar a ser como antes” não só teríamos o poder de não sentir dor, mas também de apagar todo o amor que gerou o sentimento de perda. Não temos mais o poder de mudar o passado, o que temos de concreto é o presente, e é neste que temos que atuar.

Não há outra saída, quando se ama e se perde, fatalmente sofreremos. Viver cada dia é correr o risco de ganhar e perder, de amar e sofrer. Esta é a intransitoriedade da vida, nada é permanente, tudo pode mudar num estalar de dedos, num momento estamos felizes cheios de planos, no outro estamos devastados pela dor, sem rumo e sem chão.

Buda num dos seus primeiros discursos fala das quatro nobres verdades, seriam elas:
Dukka - a consciência da existência do sofrimento;
Samudaya – a consciência do que origina o sofrimento;
Nirodha – a consciência de que podemos cessar este sofrimento;
Magga – a consciência de que podemos encontrar os caminhos para cessar este sofrimento.

Com estas verdades Buda tinha o objetivo de nos ensinar a compreender os mecanismo que geram o nosso sofrimento. Assim sendo, tomando conhecimento das causas e dos efeitos do sofrimento, podemos ter ferramentas para entende-lo e "supera-lo".

A perda de um filho nos ensina de maneira muito dramática primeira nobre verdade descrita por Buda (Dukka). Quando perdemos um filho tomamos o conhecimento de que a dor existe. Este sofrimento ainda é  maior porque nutrimos um sentimento de amor pelo que perdemos, temos um apego muito grande ao que amamos (Samudaya). O que é mais complicado para quem esta enlutado é tomar consciência de que podemos dar um novo significado para a perda (Nirodha).

Superar o sofrimento não é passar uma borracha e apagar da vida tudo o que aconteceu, não é voltar no tempo de deixar de amar, não é impedir que as coisas ruins aconteçam, etc. Superar o sofrimento é dar um novo significado para este sentimento. Buda no seu ensinamento "Magga" deu uma receita que serve para nortear nossos passos para encontrar um novo significado para a vida, o Nobre Caminho Óctuplo.

A princípio o sofrimento do luto na perda gestacional gera sentimentos conflitantes, culpa, vazio, raiva, tristeza, desespero, revolta, saudade, pesar… São sentimentos mais do que normais, pois no inicio ainda estamos tentando processar o que aconteceu, mas com o tempo temos que tirar deste turbilhão os melhores ensinamentos. Dentro de tudo que aconteceu o que isto me trouxe, sentimento de dor ou de amor? Não seria melhor levar mais amor? O que seria melhor, lamentar eternamente a perda ou bendizer a oportunidade de ter vivido um grande amor? Enfim… Pode parecer doloroso no início, mas com o tempo encontramos formas de aprender a conviver com a dor e torna-la mais branda.

Gosto de lembrar de meu filho como uma coisa muito boa que aconteceu em minha vida, um ser que me acompanhou por um tempo, mas que neste curto espaço de tempo me ensinou o amor mais sublime e incondicional, o sentimento mais nobre que uma mulher pode nutrir na vida, o amor de uma mãe por um filho. Este ser poderia ter ficado comigo dois meses ou uma "eternidade", nada mudaria o meu sentimento de amor incondicional. Este filho me tornou uma pessoa melhor, mais compassiva, mais empática, mais solidária com o sofrimento. É um filho que partiu, mas que modificou meu coração. Meu filho estará sempre vivo nas minhas lembranças. É este amor incondicional que me faz hoje querer que ele esteja com luz a onde quer que esteja. Ele/ela cumpriu sua jornada por aqui da melhor forma possível e, no que depender de mim, esta passagem sempre será muito honrada.

Esta foi a forma mais “correta” de superar o sofrimento, não esquecendo o que aconteceu, mas aceitando os ensinamentos que a perda me trouxe e dando um novo significado a tudo isto. Meu filho foi entregue para a luz e hoje trilha seu caminho. 

Gassho. _/|\_




Obs.: em outro texto falo sobre o luto e o caminho óctuplo.


quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Perder um filho, a chicotada que doeu osso (ou na alma)


Boa tarde mães.

Hoje quero dividir um aprendizado com vocês. Este ensinamento é muito pertinente já que nós mães de Mizuko (anjos, estrela) lidamos tanto com esta questão, O Sofrimento.
Esta história de Buda é interessante, e me fez refletir muito sobre o aprendizado da dor, sofrimento, compaixão e empatia.

Certa vez quando discursava Buda falou da história dos 4 cavalos.

Existem quatro tipos de cavalos:

O primeiro anda só de ver a sombra do chicote;
O segundo anda quando o chicote toca a pele;
O terceiro quando o chicote machuca;
O quarto anda quando a chicotada dói no osso.

Notei que para as questões de dor e sofrimento as vezes agimos como um destes cavalos. Por exemplo: alguns se sensibilizam somente de tomar conhecimento do sofrimento, outros quando veem alguém sofrer, outros quando veem alguém que amam sofrer, outros quando sente na pele o sofrimento. Existem pessoas que para exercer a empatia precisam primeiro sentir na pele.

Temos que ter muita compaixão com aqueles que insistem em aprender da forma mais difícil, pois se tiverem que aprender, vão aprender da pior forma.

Acredito que cada mãe que perdeu um filho aprendeu muito sobre a dor, e da forma mais difícil. Acho que na minha vida nada doeu tanto quanto perder um filho. Pra mim esta foi a "chicotada que doeu no osso". Foi só assim que entendi de verdade a dor de uma tia minha que enterrou um filho. Não que antes eu não me sensibilizasse com a dor dela, mas hoje eu entendo porque o seu luto não acaba.

Ao entender que alguns são relutantes no aprendizado da dor, consegui lidar melhor com relação as questões de falta de empatia. Não sinto mais tanta raiva quando percebo que alguém é incapaz de me entender. Existem pessoas e pessoas neste mundo, não perco mais meu tempo com as que só aprendem da pior forma.

Não quero com isto dizer que não vale a pena esclarecer sobre a perda gestacional e neonatal, não podemos deixar de fazer isto porque existem aqueles que “o chicote tem que doer no osso”, mesmo porque ainda existem os que “aprendem com a sombra”. Que possamos esclarecer mostrando o nosso exemplo para que ninguém tenha que aprender da pior forma.


As mães eu digo, a compaixão é um bom antídoto, que possamos exerce-la para tonar nossa caminhada (dharma) mais leve. Principalmente a compaixão com os “cavalos mais teimosos”.
 
Gassho!  _/|\_






Vídeo complementar:






quarta-feira, 6 de junho de 2018

Compaixão com quem mensura a sofrimento na perda gestacional


Bom dia mães de Mizukos!

Andei lendo alguns relatos de mães e resolvi escrever sobre a tendência das pessoas mensurarem nossa dor. Isto acontece de diversas formas como por exemplo:

“- Mas o que aconteceu com a fulana foi bem pior, imagina você no lugar dela.”
“- Mas a fulana teve um aborto e no outro dia estava trabalhando.”
“- Ainda bem que perdeu no comecinho, depois seria bem pior.”
“- Ah, mas era muito pequeno ainda.”
“- Ah, nem chegou a ser um embrião!”
“- Ah, era só um embrião!”
“- Era apenas um feto.”

Infelizmente nossa sociedade tem a mania de mensurar tudo, como se a vida pudesse ser moldada, empacotada, etiquetada e colocada em caixinhas. Como se o sentimento pudesse ser mensurado, medido, etiquetado..... Mas com os sentimentos as coisas não funcionam assim, os sentimentos apenas são e nós apenas sentimos. A maioria das vezes nosso sentimento é solitário, algumas vezes temos o privilégio de dividi-lo com alguém. É mais fácil dividir a alegria, pois ela é contagiante e cativa, mas a tristeza é mais difícil, pois ninguém quer senti-la.

Sim, tristeza, sofrimento e dor, podemos passar a vida inteira tentando evitar, mas um dia estes sentimentos podem chegar até nós. Todos nós temos medo, medo de sofrer, medo de morrer, medo de chorar, medo de perder… Tudo isto faz parte da vida, um dia fatalmente a vida nos fará encarar situações em que vamos sentir o que não queremos sentir.

Numa música do Legião Urbana (Quando o Sol Bater Na Janela do Seu Quarto) tem a seguinte frase: “Tudo é dor, e toda a dor, vem do desejo de não sentirmos dor.” *

A dor se torna pior porque não queremos senti-la.

Claro, ninguém quer sofrer voluntariamente, todos nós queremos ser felizes, mas tem certas situações na vida que são inevitáveis e realmente nos colocam em situação de extrema dor.

Nós mães de Mizuko (anjos) não queríamos a dor, mas a sentimos, pois fomos obrigadas a sentir e temos que lidar com ela a nosso contra gosto. Mas pense, as pessoas que estão em nossa volta também não querem sentir dor, não querem sentir o sofrimento. Elas fogem da dor assim como nós um dia fugimos dela. Nos ver sofrer e chorar faz com que elas percebam que a dor existe e isto incomoda! Até da medo em algumas pessoas! É na tentativa de fugir da dor que as pessoas tentam nos consolar com frases tão superficiais. Uma forma de fazer isto é diminuindo nossa dor e comparando a dor de outras pessoas, ou a minimizando, ou subestimando... Quase como quem diz: “- Foi só um arranhãozinho, antes de casar passa.”

É sempre uma forma de mensurar a dor, ou aumentando, ou diminuindo. Sendo que a dor é algo imensurável, é o que cada um sente a sua maneira. Por exemplo: Fulano quebrou a perna. Você não pode sentir a dor do fulano, mas percebe que quebrar a perna deve ser ruim. O tamanho da dor e do sofrimento só sabe quem passa por ela, e somente esta pode dizer o quanto dói. A dor não pode ser sentida por procuração, ela é pessoal e intransferível. O máximo que alguém que vê de fora pode fazer é perceber que ela existe e que causa o sofrimento, mas elas não conseguem gemer junto com quem sente a dor. O máximo que podem dizer é: - Eu sinto muito.

A você que é mãe de Mizuko (anjo), quando ouvir estas frases que muitas vezes mais ferem do confortam, pensem que elas as vezes partem de pessoas que são completamente analfabetas na questão do sofrimento. Talvez a vida destas pessoas nunca tenham as feito passar por situações de extrema dor (ou de extrema perda). O dia que o sofrimento vier a bater na porta delas talvez sofram tanto ou mais.  Algumas destas pessoas não querem de fato o nosso mal, querem nos ver felizes e sem dor, por isto acham que diminuindo ou acabando com nosso sofrimento num passe de mágica estão fazendo o melhor por nós. Assim elas tem a esperança de não nos ver sofrer. Lembre que elas fogem da dor assim como um dia fugimos dela. A dor incomoda. No fundo sentem medo de sofrer.

Tenha compaixão destas pessoas.

Espero que as campanhas de conscientização ao luto perinatal possam diminuir este "analfabetismo". Ao menos fazer as pessoas tomarem consciência de que a dor existe e que todos nós um dia podemos nos defrontar com ela. De fato as pessoas nunca estão totalmente preparados para este tipo de situação, mas que ao menos possam desenvolver o mínimo de empatia.

Gassho!

*Esta frase, segundo Renato Russo, foi extraída de um livro da Doutrina de Buda. A base do budismo foram os questionamentos de seu fundador com relação a dor e ao sofrimento. Na história de Buda seu pai, na tentativa de proteger o filho de todo o sofrimento, o enclausurou em castelos a onde ele só via alegrias e gente bonita. Um dia Buda quis enxergar além do castelo e se deparou com a doença, a velhice, a dor e a morte. Foi um choque terrível para ele que desde então passou a procurar as respostas de como lidar com isto.




domingo, 13 de maio de 2018

Dia de todas as mães, inclusive das mães de mizuko


Maio é um mês difícil para as mães de mizukos (anjos), é o mês do dias das mães.
Nossa sociedade muitas vezes não valida a vida breve dos bebês de uma gestação, muitas vezes falam que foi um amontoado de células, que foi apenas um embrião, que não deu tempo de se apegar, que nem sequer existiu, que não chegou a nascer, etc. Para uma mãe que gera aquele ser no seu útero já é um filho e não importa o tempo de gestação, se é 9 semanas ou 9 meses, ele não precisa sair do útero para existir, ele já existe. Perder um bebê na gestação independente da fase é perder um filho, é perder os sonho da maternidade.
Se ouvir estas coisas já dói, imagina escutar: você não é mãe ainda, seu bebê não nasceu; você não comemora dia das mães porque não tem filho ainda. O que não passa pela cabeça de muitos é que partir do momento que uma mãe vê o teste positivo e aceita o oficio de ser mãe ela já se tornou mãe, ela já tem uma relação de mãe para filho.
Um dia das mães após uma perda gestacional é um misto de sentimentos, é se sentir mãe sem ter o filho nos braços, é imaginar como estaria hoje se tudo tivesse corrido bem, é ver a felicidade quando seu coração esta de luto. Muitas mães de mizuko passam pelo dia das mães solitárias, reclusas em seus próprios sentimentos, sem coragem muitas vezes de manifestar o que sente com medo da reação das pessoas. Simplesmente a vontade é de não viver este dia, é de dormir e acordar somente após o dia das mães.
Para consolar as mães de mizuko (anjos) alguns grupos de apoio a perda gestacional e neonatal lançaram campanhas neste dia das mães.

#EuSempreSereiMae


Segue-se abaixo:


O Dia das Mães está chegando, e talvez você
não tenha parado pra pensar que algumas delas viverão sentimentos diferentes nesse dia.Saudades... vazio... lembranças... memórias... Mas todas carregam uma única certeza: Eu sempre serei mãe!

Se você conhece uma mãe que perdeu um filho, em especial se era único e foi perda gestacional ou neonatal, expresse o seu sentimento com esse gesto singelo e significativo.
Se você é mãe, e está passando por esta data sem a presença física de seu filho, poste uma foto em forma de homenagem com as #EuSempreSereiMae #EnvieFloresSejaFlores
Essa campanha foi idealizada pelo projeto
“Mulheres feridas que voam” e encanta pela
simplicidade e profundidade do ato de presentar
estas mães com uma atitude tão linda e singular.

Apoio: Amada Helena, Sobreviver, Renascer,
Do luto à luta, Ama, Fala Marcela, Blog Carol Oliva, Para sempre Helena, Casal Portunhol, Voe alto meu anjinho, LELU, IAN Instituto Amor Nosso, Espetáculo Dessas Interrupções, Segundo sol e O memorial.






Outro vídeo relacionado:



#enviefloressejaflores

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domingo, 25 de fevereiro de 2018

Porque não horar quem não nasceu?



Quando uma pessoa da minha família soube que ia realizar uma cerimônia budista para homenagear o bebê que perdi ela me veio com esta:

“- Isto e tão mórbido, é masoquismo, é derrotismo, nunca vi uma pessoa celebrar o que se perdeu!”

Então respondi:
“- É muito natural que não entenda, pois você nunca perdeu nada, ninguém da valor ao que não se perde.”

Já expliquei em outro post a visão budista sobre a questões de vida a morte durante a gestação. Neste mesmo post expliquei que cada vida é única e que por isto mesmo não pode haver um critério que meça o seu valor. Vale ler o post anterior antes de continuar lendo este, ou leia depois, fica a seu critério.

Primeiramente leve em consideração que quem nunca perdeu não pode dar valor ao que se perde. A monja sempre fala em suas aulas que para perder o ego, se deve primeiro ter o ego, ninguém sente falta do que não teve. Por exemplo: um surdo ou cego de nascença, estes não podem sentir falta de ouvir ou enxergar, pois nunca tiveram estes sentidos, logo aprenderam a se virar na medida do possível sem isto, se obrigaram a se adaptar. Um surdo pode sentir falta de se comunicar com o mundo ouvinte, mas não sente falta de ouvir, pois este dom ele nunca teve.

A pessoa que nunca teve filhos não pode saber o que é ter filhos e quem nunca perdeu, não sabe o que é ter e perder. Aliás, na perda gestacional muitos sequer consideram que a mulher teve um filho, pois não viram a criança nascer. Portanto não espere muito destas pessoas, o máximo que terás delas são os achismos, os consolos que não consolam.

Quem passou por uma perda gestacional sabe o quanto a gestação foi sentida, cada sintoma, cada enjoo, cada tontura, a vontade de dormir, os hormônios agindo em seu corpo. A mulher sente na pele o quanto seu organismo se modifica durante a gravidez, ela de certa forma sente que tudo esta diferente, sente aquele Ser junto dela no seu ventre. Portanto ninguém pode dizer que ela não teve algo, pois ela realmente teve.

Em poucos meses a mulher que deseja um filho sonha em um dia ouvir o chorinho do seu bebê, sonha com dia que vai passear com ele de carrinho na praça, etc. Ninguém pode dizer que não houve algo, pois houve, houve sintomas, houve o desejo, os sonhos. Houve aquela pequena sementinha que modificou a vida dos pais para sempre. Como expliquei no outro post, esta sementinha tem tanto valor quanto qualquer outro ser que tenha vivido nesta terra, não importa se foi uma vida celular, embrionária, fetal, uterina, prematura, infantil…

Assim como uma pessoa que viveu e andou por esta terra, cada bebê tem o seu valor. Com um ente querido que convivemos e veio a falecer fazemos funeral, choramos por ele, enterramos, se manda rezar missa, se presta culto, etc… Os pais que perderam um filho igualmente choram. Porque não também valorizar este ser que teve uma vida, nem que seja no útero? Sim, esta vida é digna de respeito, ela tem que ser validada, ela deve ser honrada!

Para os ocidentais, acostumadas com o ponto de vista judaico-cristão, soa um tanto estranho celebrar a vida num momento tão mórbido. A morte nos soa como algo mórbido, lúgubre, fatal, sem volta, por isto temos uma visão tão pessimista dela. Por isto falar de uma cerimônia que homenageia bebês abortados como o Mizuko Kuyo soa estranho para algumas pessoas. Parece que estamos celebrando um fracasso e não a vida.

Porém a visão budista da vida e da morte parece ser mais leve, pois o conceito de morte é diferente, é somente uma passagem para outro estado. É por isto que no Japão o luto é vivido de outra forma, é celebrada a vida e não a morte. Os festejos de finados no Japão é o mais importante feriado a onde as pessoas visitam seus parente, homenageiam os entes queridos e fazem festas.

Eu já digo que os pais que passaram pela experiência da perda gestacional e neonatal devem sim celebrar o vida de seus filhos, nem que esta vida tenha sido tão breve. Esta celebração não deve ser vista como “algo que se perdeu”, mas como algo que se teve e que transformou a vida, ensinou a amar... E porque não dizer? Ensinou a dar valor a vida!

Espero que o exemplo da cerimônia do Mizuko Kuyo possa inspirar os pais que passaram pela experiência da perda gestacional para que estes encontrem meios de celebrar a vida de seus bebês. Que estes pais possam ter uma visão da perda gestacional mais branda e humana. Que mesmo que os pais enlutados não sejam budistas possam se inspirar em tal prática e encontrar uma forma de honrar seus filhos.

Ver também:

Vitimização ou coragem? Capacidade de cair e se levantar.

Infelizmente por medo do próprio sofrimento (pois ninguém quer sofrer) muitas pessoas criam uma blindagem de "bem estar" e ...