Acompanhando
a hashtag #水子供養
no
Instagram podemos ver vários depoimentos de mães que encomendam o
serviço de Mizuko-kuyo.
Também lendo algumas páginas de templos Japoneses (link, link) que oferecem o serviço dá
para saber um pouco como a
cerimônia se
procede.
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Print de paginas de templos budistas que oferecem o Mizuko-kuyo |
O
que se percebe primeiramente na #水子供養 (#mizukokuyo) é que a dor da perda de um filho, mesmo
sendo no primeiro trimestre é muito sentida pelas mães japonesas,
portanto concluo que independente de cultura, perder um filho é algo
que abala os pais de qualquer forma.
Outro
aspecto interessante a se considerar, os japoneses tem uma relação
com o “mundo espiritual” (termo mais conhecido dos brasileiro)
bem peculiar. Devido a influência da cultura dos Kamis derivada do Xintoismo,
os japonese acreditam que tudo tem uma “alma”, até mesmo
montanhas, árvores, pedras e rios. A introdução do
Budismo (de
origem
hindu)
no
Japão não
entrou em conflito com a antiga crença nativa japonesa, mas sim
agregou valores e estas
duas
convivem harmonicamente. No Japão o budismo é geralmente o que se encarrega das
cerimônias fúnebres. Como Já falei em outro post (link), no
budismo se considera que as vidas são cíclicas, estamos renascendo
constantemente nos “seis reinos da existência”, portanto um
pequeno embrião era
uma
vida e nunca deixará
de ser.
É
por isto que há muita naturalidade dos pais japoneses
em fazerem
uma cerimônia para
seus bebês perdidos,
pois esta sociedade parte do princípio que aquele ser que esteve no
ventre estava antes em algum lugar e que por compaixão deve-se
encaminha-lo para um lugar de muita luz. Há mais
“espontaneidade” com relação a ressignificação do luto na
perda gestacional.
Muito diferente do que passamos aqui no ocidente em que muitos não
validam a vida de um bebê que não saiu vivo da barriga. Como se existisse uma “lei”: “não nasceu, não
existiu,
não é vida”. Aliás,
acredito que até alguns aqui se sintam constrangidos na hora de
fazer homenagens a seus bebês, tanto que muitos até escondem o fato
que tiveram uma perda.
Lendo
alguns sites de templos japoneses que oferecem a cerimônia do
Mizuko-kuyo
e o relato das mães na hashtag #水子供養
dá
para perceber a preocupação de pais e monges em tratar bem “alma”
do “Mizuko”
que esta no “além”. Há
a
preocupação de encaminhar este “anjo” para a luz num pequeno
“funeral”, há
a
preocupação com sua evolução, pois
ainda há um ser vivo em outros planos (reinos)
precisando
de muitos mantras e preces para continuar sua jornada até se
tornar um buda
(tornas-se
um “Jôbutsu” ver link).
Para
a realização do ritual do Mizuko-kuyo os pais podem levar
flores, doces, brinquedos, roupinhas de bebê,
coisa que lembre aquele bebê que se foi, alguns casos leva-se até
mesmo as ecografias, também se leva um juzu (japamala, rosário) e uma carta dedicatória. Não sei como é a questão
quanto ao acesso dos pais aos restos embrionários, se estes são
entregue após um procedimento de curretagem (aqui não
temos acesso e acaba se tornando lixo hospitalar), não tenho esta
informação, mas perdas gestacionais tardias pode-se fazer a
cremação do bebê e as cinzas fazem parte do ritual de Mizuko-kuyo. As recomendações do que levar para o mizuko, como proceder e vestimenta dos pais são recomendadas pelo templo.
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Recomendações do que levar e como se vestir para o Mizuko-kuyo (link) |
Ao
solicitar o serviço de Mizuko-kuyo
os pais geralmente tem uma conversa com o monge oficiante da
cerimônia, nesta os pais podem tirar dúvidas sobre custos e procedimentos, podem pedir conselhos,
pois
afinal de contas, trata-se
de uma experiência de sofrimento para os pais e para o bebê.
A
base do ensinamento budista é exatamente o aprendizado de como lidar
com as questões da morte e do sofrimento. A
tarefa de um monge budista, por conta de seus votos, é exercer a
compaixão e ensinar o Dharma. Os monges também respeitam quando os pais querem sigilo no processo.
Na
cerimônia são rezados mantras budistas típicos de funerais e
também mantras para Jizo Bosatsu e, em alguns casos, para
Kannon. Além é claro dos pais adquirirem as estatuetas de Jizo infantilizada. Durante
a cerimônia
se dá um “nome de
Dharma”
ao bebê que é escolhido pelo monge, este
nome é escrito numa tabuinha. Para aqueles pais que não souberam o sexo, esta é uma oportunidade de dar um nome para o filho. As estatuetas de Jizo infantilizadas
que representam o bebê podem ser colocadas num memorial de
Mizuko-jizo que existem nos templos que realizam o serviço.
Após
o ritual os cuidados com o mizuko continuam, pois
pode-se fazer homenagens aos bebês nos templos, e continuar a rezar
mantras a Jizo em casa no oratório doméstico (botsudan),
ou visitar os templos com memorial de Mizuko-Jizo em datas
específicas como finados, dia das crianças, e
até mesmo natal. Nesta ocasião os pais oferecem pequenas
“oferendas” como doces, brinquedos, roupinhas,
flores, incenso, velas, etc. No budismo se rezam “missas” no
7º e no 49º dia (ver
mais no link). Acredita-se que 49 dias é tempo que a alma leva para cumprir todas
as etapas para um novo renascimento, este é um período muito
importante para quem “desencarnou” (usando termo
do espiritismo).
Assim
como qualquer outro serviço realizado por templos budistas, a
cerimônia
do Mizuko-kuyo é paga,
custo que varia conforme as
escolhas de
quem solicita o serviço. Há
venda de urnas funerárias para as cinzas dos bebês, tabletas para
escrever o nome
dos mizukos, oratórios,
porta
incenso, imagens
de Jizo, etc (saber
mais sobre funeral japonês no link,
link). As
estatuetas de Mizuko também são compradas, tem vários tipos
desde as bem pequenas, até as feitas com cimento, cerâmica ou
pedra (já falamos das estátuas de Jizo. Vide link, link).
Os
japoneses não veem problema de pagar por este serviço, estes se sentem muito honrados de ter um monge rezando por seus
entes querido, a
gratificação monetária é uma demonstração de gratidão.
E pensando bem, se formos analisar,
gastaríamos com festas de aniversário, fraldas, brinquedos, com
escola e faculdade... E
não estaríamos reclamando, faríamos
tudo
na
maior felicidade!!! Gastar um pouco com uma homenagem para o filho
que “esta no céu” é
o mínimo comparado ao que faríamos por eles vivos, portanto não vejo isto como algo ruim.
Espero
que tenham gostado destas considerações e não se sintam mais
constrangidos ao homenagear a existência de seus anjos.
Gassho.