Quando uma pessoa da minha família soube que ia realizar uma
cerimônia
budista para homenagear o bebê que perdi ela me veio com esta:
“- Isto e tão mórbido, é masoquismo, é derrotismo, nunca vi uma
pessoa celebrar o que se perdeu!”
Então respondi:
“- É muito natural que não entenda, pois você nunca perdeu nada,
ninguém da valor ao que não se perde.”
Já expliquei em outro post
a visão budista sobre a questões de vida a morte durante a
gestação. Neste mesmo post
expliquei que cada vida é única e que por isto mesmo não pode
haver um critério que meça o seu valor. Vale ler o post
anterior antes de continuar lendo este, ou leia depois, fica a
seu critério.
Primeiramente leve em consideração que quem nunca perdeu não pode
dar valor ao que se perde. A monja sempre fala em suas aulas que para
perder o ego, se deve primeiro ter o ego, ninguém sente falta do que
não teve. Por exemplo: um surdo ou cego de nascença, estes não
podem sentir falta de ouvir ou enxergar, pois nunca tiveram estes
sentidos, logo aprenderam a se virar na medida do possível sem isto,
se obrigaram a se adaptar. Um surdo pode sentir falta de se comunicar
com o mundo ouvinte, mas não sente falta de ouvir, pois este dom ele
nunca teve.
A pessoa que nunca teve filhos não pode saber o que é ter filhos e
quem nunca perdeu, não sabe o que é ter e perder. Aliás, na perda
gestacional muitos sequer consideram que a mulher teve um filho, pois
não viram a criança nascer. Portanto não espere muito destas
pessoas, o máximo que terás delas são os achismos, os consolos que
não consolam.
Quem passou por uma perda gestacional sabe o quanto a gestação foi
sentida, cada sintoma, cada enjoo, cada tontura, a vontade de dormir, os hormônios agindo em seu corpo.
A mulher sente na pele o quanto seu organismo se modifica durante a
gravidez, ela de certa forma sente que tudo esta diferente, sente
aquele Ser junto dela no seu ventre. Portanto ninguém pode dizer que
ela não teve algo, pois ela realmente teve.
Em poucos meses a mulher que deseja um filho sonha em um dia ouvir o
chorinho do seu bebê, sonha com dia que vai passear com ele de
carrinho na praça, etc. Ninguém pode dizer que não houve algo,
pois houve, houve sintomas, houve o desejo, os sonhos. Houve aquela
pequena sementinha que modificou a vida dos pais para sempre. Como
expliquei no outro post, esta sementinha tem tanto valor quanto
qualquer outro ser que tenha vivido nesta terra, não importa se foi
uma vida celular, embrionária, fetal, uterina, prematura, infantil…
Assim como uma pessoa que viveu e andou por esta terra, cada bebê
tem o seu valor. Com um ente querido que convivemos e veio a falecer
fazemos funeral, choramos por ele, enterramos, se manda rezar missa,
se presta culto, etc… Os pais que perderam um filho igualmente
choram. Porque não também valorizar este ser que teve uma vida, nem
que seja no útero? Sim, esta vida é digna de respeito, ela tem que
ser validada, ela deve ser honrada!
Para os ocidentais, acostumadas com o ponto de vista judaico-cristão,
soa um tanto estranho celebrar a vida num momento tão mórbido. A
morte nos soa como algo mórbido, lúgubre, fatal, sem volta, por
isto temos uma visão tão pessimista dela. Por isto falar de uma
cerimônia que homenageia bebês abortados como o Mizuko
Kuyo soa estranho para algumas pessoas. Parece que estamos
celebrando um fracasso e não a vida.
Porém a visão budista da vida e da morte parece ser mais leve, pois
o conceito de morte é diferente, é somente uma passagem para outro
estado. É por isto que no Japão o luto é vivido de outra forma, é
celebrada a vida e não a morte. Os festejos de finados no Japão é
o mais importante feriado a onde as pessoas visitam seus parente,
homenageiam os entes queridos e fazem festas.
Eu já digo que os pais que passaram pela experiência da perda
gestacional e neonatal devem sim celebrar o vida de seus filhos, nem
que esta vida tenha sido tão breve. Esta celebração não deve ser
vista como “algo que se perdeu”, mas como algo que se teve e que
transformou a vida, ensinou a amar... E porque não dizer? Ensinou a
dar valor a vida!
Espero que o exemplo da cerimônia do Mizuko
Kuyo possa inspirar os pais que passaram pela experiência da
perda gestacional para que estes encontrem meios de celebrar a vida
de seus bebês. Que estes pais possam ter uma visão da perda
gestacional mais branda e humana. Que mesmo que os pais enlutados não
sejam budistas possam se inspirar em tal prática e encontrar uma
forma de honrar seus filhos.
Ver também: